Este artigo não estava em meus planos, assim como não estava o penúltimo. Aquele acidente gerou conversa boa a partir de sentimentos e colocações ruins. No fechamento daquele texto escrevi que “se a Análise de Negócios seguir submissa à TI, terá o mesmo triste fim“. A colega Cristina Belderrain interpretou que “o fim que aguarda TI é a passagem para a nuvem”. Não era o que eu sugeria. Confesso que, até a participação da Cris, não havia parado para pensar no “fim que aguarda TI”. Vou pensando enquanto escrevo – zeloso a la Veloso (ou não).

Na resposta onde prometi este artigo eu conclui que “TI já acabou”. E que já faz um tempão! Claro, não estou falando da Tecnologia da Informação de maneira geral, e sim dos departamentos de TI nas empresas que têm outros fins. Saca só esta breve cronologia de matérias de capa de algumas publicações tupiniquins:

  • EXAME, 20/fev/2002: Tecnologia – Como Matar o Desperdício
  • Info Corporate, Jul-Ago/2003: O CEO não manja de Tecnologia?
    Como convencê-lo de que TI é essencial para o negócio
  • Info Corporate, Nov-Dez/2003: CIOs X Usuários: o que precisa mudar nessa histórica rixa
  • EXAME, 4/fev/2004: Tecnologia da Informação – Dá para se livrar dela?
  • Info Corporate, Set/2004: É o fim da TI como a conhecemos
    A área de tecnologia vai mudar para sobreviver. Como fica o CIO?
  • Info Corporate, Mai/2005: A tecnologia perdeu poder?
    Só 20% dos CIOs brasileiros se reportam ao presidente. O que isso significa?

A Info Corporate não existe mais – e já foi tarde. A EXAME, quando fala de tecnologia, tem dois assuntos:  gadgets da moda e “bilionários” fenomenais, não necessariamente nesta ordem. Não devo ser o único que sente saudades dos artigos do Helio Gurovitz. Mas o que quero ilustrar é que… desistiram. Falar que TI não funciona – não entrega, deixou de ser novidade. Deixou de vender revistas, se é que um dia o fez. E, pelo visto, deixou de motivar soluções milagrosas. Faz tempo que não aparece uma sigla de três letras prometendo mais que político em período eleitoral, não?

Lembrado pelo amigo Igor Couto, mostro ao lado a explicação do Jurgen Appelo para o estado atual das coisas. Seu alvo é o desenvolvedor de software, mas o modelo serve como uma luva para explicar como e porque os departamentos de TI chegaram onde estão.

Perdão, mas vou resumir: falta de disciplina e de competência detonam a qualidade e a produtividade. Baixas qualidade e produtividade deixam clientes e usuários muito insatisfeitos, P’s da vida mesmo. O que aumenta a pressão que eles exercem sobre TI. Uma pressão que só faz erodir a motivação e, consequentemente¹, a produtividade.

Assim, de tanto não entregar ou entregar soluções de péssima qualidade, TI perdeu o direito de dizer NÃO. Onde deveria haver motivação há medo, puro medo. Ciclo montado, circos incendiados diariamente em organizações dos mais diversos portes e ramos de atividades.

Perdemos muito tempo correndo atrás de extintores e mangueiras. E, preciso dizer, a contratação de analistas de negócios foi só o uso de um extintor diferente. Ferramenta inútil em incêndios de grandes proporções.

O CLD (Diagrama de Ciclos Causais) do Jurgen sugere três soluções de amplo espectro: Educação e, a partir dela, Competência e Disciplina. Nunca foi segredo para ninguém que qualidade e produtividade dependem desses fatores. Acontece que Educação é investimento de longo prazo. Pronto, consegui colocar em uma frase com oito palavras três termos aparentemente incompatíveis com muitas organizações de TI: Educação, Investimento e Longo Prazo.

Se Tudo tem que Terminar Assim

Que pelo menos seja até o fim, diz a letra do Herbert². As letras do Gartner e do McKinsey, traduzidas na Info Corporate de setembro de 2004, não alimentavam nenhuma esperança:

  • O departamento de informática como o conhecemos desaparecerá;
  • Algumas áreas de TI, como infraestrutura, vão mesmo virar commodities e serão inevitavelmente terceirizadas;
  • A TI deixará de ser uma área de suporte aos usuários para ser absorvida pelas próprias unidades de negócio;
  • Não haverá mais espaço para o profissional eminentemente técnico. Quem quiser trilhar carreira técnica deverá trabalhar num fornecedor de tecnologia;
  • Nesse cenário, o CIO tem dois caminhos a seguir: ou se torna um executivo de processos de negócios ou continua a gerenciar ativos de TI, tornando-se, assim, um ser em extinção.

Dramática lista, não? Dramática, um tanto equivocada e, como este artigo até aqui, pouco construtiva. Não sei se tenho respostas (construtivas), mas meu balaio tá repleto de palpites:

  • A Nuvem não curará aplicações bugadas e mal integradas. Acima de uma inchada camada de commodities residem dados e sistemas que pedem, há tempos, por drásticas revisões. A mesma metralhadora do Gartner já havia sugerido, no final do século passado, uma interessante solução: aposente algo entre 3 e 5 sistemas legados por ano. O remédio pode ser amargo e caro, mas parece ser a única alternativa.
  • Serviços de manutenção de hardware, impressão, suporte ao uso de equipamentos e outros que não lidem nem dependam de conhecimentos do negócio já deveriam estar terceirizados desde mil novecentos e pedrinha. A Nuvem, se bem utilizada, pode tirar outros pesos das costas de TI. Desde que tal movimento não comprometa ainda mais os níveis de serviços atuais.
  • Cogitar que áreas de negócios assumam responsabilidades sobre a administração de TI é ingenuidade que ignora três fatores: i) as soluções que realmente interessam ao negócio suportam processos, não departamentos. A pulverização sugerida só faria aumentar o caos instalado, nada mais; ii) Pouquíssimas organizações possuem uma arquitetura de negócios que não dependa de um mínimo nível de integração e padronização; e iii) unidades de negócio têm suas responsabilidades bem determinadas. Não sei de nenhuma que faça sua própria contabilidade ou limpeza ou folha de pagamentos. Por que assumiriam a gestão de TI?
  • Aquele papo de CIO virando “executivo de processos” era conversa para BOI dormir. Bad trip provocada pela onda BPM que então surgia, nada mais.

Pois é, TI acabou. Mas, como disse Voltaire em outro contexto, precisaremos (re)inventá-la. Exercício para a próxima semana: se você pudesse desenhar um departamento de TI do zero, como ele seria?

 

Notas

  1. Descrever diagramas já é um atentado contra a inteligência. Escrever “consequentemente” na descrição de um CLD deve resultar em uns 100 anos de cadeia e solidão, mais ou menos. Perdão!
  2. “Caleidoscópio”, composição de Herbert Vianna gravada pelos Paralamas numa época em que existiam o Rock Nacional e os departamentos de TI.