O artigo anterior deixou uma bela pergunta: se desenhássemos do zero uma nova organização de TI, como ela seria? Se dez pessoas topassem o desafio, teríamos dez propostas bem diferentes. A minha segue abaixo. Admito que se trata de muita pretensão embalada por uma certa ingenuidade. Resta torcer para que você extraia algo de útil.

Por onde começar? Daquela lista de previsões da dupla Gartner/McKinsey que comentei no último artigo, me incomodou um pouco mais o terceiro item. Aquele que diz que “TI deixará de ser uma área de suporte aos usuários para ser absorvida pelas próprias áreas de negócio”. Existe algum cenário em que tal movimento teria um mínimo sentido? Escrevi que necessidades de padronização e/ou integração seguirão determinando a existência de uma TI centralizada. Hora de explicar a colocação.

Se nossa perspectiva partir dos processos de negócios – e deveria¹ – então temos quatro grandes modelos operacionais, como ilustrado no diagrama ao lado. A sugestão da dupla de videntes só faria sentido em empresas cujo modelo seja de Diversificação, ou seja, naquelas dispensadas de requisitos de padronização e de integração entre processos. Assim fica fácil entender porque a Semco do Ricardo Semler não tem ou não precisa de uma organização de TI. A mesma receita não poderia ser recomendada para um banco, por exemplo. Porque ele tem grandes demandas de padronização e de integração de dados e processos. Seu modelo operacional é o exato oposto da Diversificação – é o da Unificação.

Empresas que são ou deveriam ser desenhadas em torno de seus produtos, como seguradoras e telcos, encontrariam seu caminho em um dos dois quadrantes superiores. A crescente pulverização de ofertas – empresas de telecomunicações vendendo telefonia, conteúdo, tv, rádio etc., por exemplo – parece apontar para o modelo de Coordenação. Porque a obsessão por padrões está criando produtos e processos draconianos nestas empresas.

Organizações que atuem através de franquias ou subsidiárias e filiais com certo grau de autonomia (e que não compartilhem informações sobre clientes, fornecedores etc) operariam no modelo de Replicação, onde há alta padronização mas poucos ou nenhum requisito de integração.

A mensagem é uma só: dos quatro modelos, apenas um indica a possibilidade de uma organização que pode ou deve se livrar de TI. Onde há demanda por integração e/ou padronização, há necessidade de algo parecido com uma organização de TI. Como ela seria?

Evaporando Ativos

A terceirização total de TI é um pecado que, cedo ou tarde, cobrará seu alto preço. Há MUITO conhecimento de negócio nas organizações de TI. Conhecimento que não se transfere da noite para o dia, da primavera para o verão e nem de um ano para outro. Em muitos contratos estão transferindo colaboradores como se transfusão de conhecimentos, valores e cultura fosse possível. Terceirização da TI é algo muito sério para ficar apenas nas mãos de TI. Porque nunca se transferem apenas os ativos e processos de TI.

Veja o diagrama ao lado, uma leitura simplista (e quase envergonhada) daquilo que se convencionou chamar Arquitetura Corporativa. Ainda há quem pense que a passagem para a Nuvem seja simplesmente uma transferência parcial ou total da camada inferior, a Arquitetura Tecnológica. Faria tanto sentido quanto repartir um sanduíche com alguém lhe entregando apenas a fatia do pão que fica por baixo. Inocente e perigoso engano. A passagem para a nuvem, assim como a divisão de um lanche, significa um corte vertical onde todos os componentes são transferidos para outra entidade.

Não há nem acredito que um dia existirá uma receita para esse corte. Mas parece inevitável que as áreas de negócio afetadas por tal movimento participem de todas as etapas do processo de terceirização. Na realidade, são elas que deveriam demandar e conduzir esse processo. A área de TI, quando muito, apreciaria a competência técnica dos proponentes. Capacidade que seria avaliada através de uma migração cuidadosa, iterativa e incremental.

Condensando Ativos

Os ativos que ficam são aqueles que realmente têm valor para o negócio. E que, estranhamente, nunca foram merecedores de muita atenção por parte das organizações de TI e das empresas de maneira geral. Quando se falava sobre Administração de Ativos o conjunto parecia limitado aos ferros e licenças de uso de software. Ou seja, tudo o que hoje tratamos como commodities e esperamos transferir para a Nuvem. O conhecimento explicitado na forma de linhas de código e tabelas em bancos de dados – todo o conteúdo armazenado e tratado naquilo que hoje pretendemos terceirizar – nunca teve status de ativo. Não por acaso, seu desenvolvimento sempre foi contabilizado como despesa².

Não deveriam preocupar nem consumir muitos recursos aqueles sistemas que suportam processos de apoio. Contabilidade, contas, folha de pagamentos e afins são o arroz com feijão que devem estar num panelão ERP e podem evaporar rumo aos céus nublados sem muita hesitação. Os ativos que devem merecer trato diferente são aqueles que conhecem e auxiliam a execução dos processos primários (todos que toquem direta ou indiretamente o cliente final) e os processos de gestão. Se TI quer mostrar valor, que se atenha às atividades onde a empresa realmente gera valor.

É neste ponto que preciso retomar uma sugestão que ficou solta no artigo anterior: é inconcebível que processos primários (vendas, atendimento, cobrança, bilhetagem, entrega etc.) sejam suportados por sistemas antigos, furados e desconectados do mundo. Não dá mais para seguir remendando-os e integrando-os nas coxas. Esses ativos precisam ser reconstruídos do zero, como a própria organização de TI. Quanto antes uma empresa criar coragem para chegar a essa conclusão, mais cedo ela se posicionará em um novo patamar. A sugestão do Gartner que motivou este parágrafo é objetiva: aposente algo entre três e cinco sistemas por ano. Faltou dizer que essa visão de grandes blocos de construção não faz sentido há tempos. Este trabalho de reconstrução partiria dos processos de negócio, um por um, criando novas ferramentas para suportar e otimizar sua execução.

Quem faria tal (re)construção? Semana que vem eu tento responder. Inté!

 

Notas

  1. As organizações de TI, por ação ou omissão, ajudaram a criar e propagar silos de informação. Soluções “jeitosas” que quase sempre geram redundância, retrabalho e muito mal entendido. A visão por processos – a atenção a cada processo de negócio de ponta a ponta – deveria ser item do código de ética de todos que trabalham com sistemas de informação. Segundo estudo do MIT Sloan Center for Information Systems Research, em organizações maduras, 15% do orçamento seria gasto com “aplicações locais”. Eu ainda acho o número um exagero, mas é melhor que os 36% que caracterizariam empresas mais “verdes”. Estes números, assim como o diagrama de Modelos Operacionais, podem ser encontrados no livro Arquitetura de TI como Estratégia Empresarial, de Jeanne W. Ross, Peter Weill e David C. Robertson (M.Books, 2007).
  2. Eu quero muito estar errado nesta afirmação, de que projetos de desenvolvimento são contabilizados como despesas. Mas parece que a tal Economia do Conhecimento ainda não gerou reflexos na pré-histórica disciplina que conhecemos como Contabilidade. Caso contrário, projetos e treinamentos seriam contabilizados como Investimentos que, vez por outra, geram Ativos. Os balanços seguem acusando despesas, indesejadas e temíveis despesas.