Terceira e última parte de uma pequena série não planejada. As anteriores foram “TI: O Início do Meio do Fim” e “TI: Começando de Novo“. Tentei me concentrar nas perguntas mais relevantes e neste artigo procurarei responder a principal: quem são as pessoas que formam a Nova Organização de TI?

A lista de profecias da dupla Gartner/McKinsey comentada na primeira parte cravou que “não haverá mais espaço para o profissional eminentemente técnico. Quem quiser trilhar carreira técnica deverá trabalhar num fornecedor de tecnologia”. Será verdade? Será que um banco, seguradora ou varejista pode realmente abrir mão de desenvolvedores, administradores de bancos de dados e afins? Será que a codificação da inteligência do negócio pode ser 100% terceirizada?

David P. Feeny e Leslie P. Willcocks, acadêmicos da Universidade de Oxford na Inglaterra, há tempos escreveram que não. Eles listam em O Que Não Terceirizar, artigo publicado na HSM Management¹, nove competências essenciais que toda empresa deveria manter internamente. Em todas há demanda, média ou grande, pelo que os autores chamaram de “aptidões técnicas”. Está além do escopo deste artigo um debate sobre todas as competências. Vou me ater ao que julgo essencial.

Dependendo do modelo operacional e do ramo de atividade, uma organização pode ter algo entre 10% e 30% de processos de negócios onde ela realmente faz (ou tenta fazer) a diferença. Os chamarei de Processos Vitais. Como colocado no artigo anterior, todos os demais podem ser cozidos em um panelão ERP e periodicamente condicionados ao que o mercado convencionou chamar de melhores práticas. Não há o que (re)inventar aqui. Assim como não há justificativa para que uma organização siga torrando grana em algo que já deveria estar resolvido desde o final do século passado. Aquelas que seguem brigando com processos de apoio e processos básicos de gestão devem acionar o desconfiômetro. Sentiu um cheiro estranho? Xi, Brocotó²

A quantidade e a complexidade dos processos vitais determinarão o porte da organização de TI. Novamente, não há receita. Mas como eu gostaria de chutar que uma pequena equipe com 7±2 pessoas por família de processos é a ideal. Não nos percamos nas complicadas (e custosas) questões quantitativas. O que interessa aqui é a formação do time de TI. Quais competências são necessárias?

Há quem cuide dos encanamentos para água e esgoto. Outro cuida da rede elétrica. Um olha a fundação enquanto outro ocupa-se do acabamento. Unindo a todos, um Arquiteto. Por que será que ainda é tão difícil pensar assim quando o assunto é TI? Lembra-se daquele (envergonhado) diagrama que traduzia a aparentemente indecifrável arquitetura corporativa? Bom, ele está aí do lado novamente. Não é factível supor que cada componente deste sanduíche teve um construtor diferente?

Mesmo a arquitetura tecnológica quando 100% evaporada para a Nuvem. Porque a empresa ainda precisa ter um mínimo de inteligência para dimensionar recursos, projetar consumo e saber quando o fornecedor de nuvens está furando seus olhos. No mínimo!

A arquitetura de informações precisa ser reconstruída. Pelo menos aquela que sustenta os processos vitais. Do ponto de vista tecnológico, não há camada mais defasada. Do ponto de vista do negócio, não há camada mais zoneada. Imaginar que fantásticos desenvolvedores e seus maravilhosos esquemas XML ou que os maravilhosos especialistas em BI e seus fantásticos cubos têm a resposta para a bagunça instalada depende de muita, mas muita boa vontade (e dose equivalente de ignorância).

Quantos bons sonhos não serão inspirados pela possibilidade de se reescrever do zero a arquitetura de aplicações que suporta os processos vitais de uma empresa? Quantos excepcionais desenvolvedores não gostariam de participar de tão desafiadora empreitada? Vimos surgir, nos últimos dez anos, uma pancada de teorias que, de uma maneira ou de outra, pedem por essa coragem. SOA e BPM, assim – de mãos dadas, só fazem sentido quando amparadas em iniciativas de tamanha grandeza³. DCI, um novo, controverso e promissor padrão arquitetônico, idem. À parte a sopa de letrinhas, o fundamental é entender que as funções (serviços) oferecidas por um sistema devem apoiar a execução de processos de negócio. E que esse apoio só será realmente eficaz se ele entender (e medir e monitorar) os processos. Um por um, de ponta a ponta.

Esse entendimento vem da cobertura que justifica e dá sentido à tudo – a arquitetura do negócio. E aqui surge outra grande pergunta: é TI quem a domina? Ou, colocando de outra maneira, é TI quem deve cuidar da arquitetura do negócio? NÃO! Se organizações de TI se meteram nisso foi porque: i) Tiveram muito senso de oportunidade e nenhum senso de ridículo; ou ii) Não souberam dizer “não, obrigado!” Embriagadas pela falsa impressão de poder, se meteram a inventar escritórios de processos, escritórios de análise de negócios e afin$. Como se os processos pudessem ser compreendidos e confinados em salas de 10m² ou em diagramas BPMN.

Analistas de negócios e de processos deveriam estar alocados nas próprias áreas de negócios – onde a ação de fato acontece. Onde o conhecimento de verdade é criado e utilizado. Como ainda contam-se nos dedos as organizações orientadas por processos, esses analistas residiriam nos departamentos. E se estruturariam para representar as atividades e processos de negócios. Desta forma, seriam a interface natural para a comunicação entre as áreas de negócios e a organização de TI. Não um canal imposto por TI, mas apoiado e, em certa medida, orientado por ela. Como eu espero trabalhar esta sugestão de forma mais detalhada em futuros artigos, a encerrarei por aqui.

Conclusão?

Escrevi mais de uma vez que esta pequena série é pretensiosa demais. Mal resvalei nas diversas questões que aporrinham as organizações de TI. Mas fui sincero na urgência – não dá mais para esperar uma grande revisão da estrutura e processos de TI – e nas sugestões. Acredito que a economia gerada através de uma terceirização bem pensada seria mais do que suficiente para financiar a reconstrução dos sistemas que atendem aos processos vitais de uma organização. E, se por ventura não ficou claro, insisto: esta reconstrução não deveria ser terceirizada de maneira alguma.

Ao atender com a devida atenção e seus melhores times os processos que de fato geram valor, a organização de TI se livrará dos questionamentos diários acerca de sua utilidade. TI, assim como um bom juiz de futebol, aparecerá menos. E agradecerá aos céus (e às nuvens) a graça de ser e ter uma mente sã.

 

Notas

  1. O artigo também foi publicado em e-Business e Tecnologia – Autores e Conceitos Imprescindíveis (Coletânea HSM Management – Publifolha, 2001).
  2. “Xi, brocotó…” era o único diagnóstico do Urubulino, um dos diversos tipos inesquecíveis criados pelo grande Chico Anysio.
  3. Programação de férias, reembolso de despesas e registro de chamados foram alguns dos processos bestas que ajudaram a mostrar o valor de um tal Lotus Notes. Mais de uma década depois, estão sendo revistos em graciosos (e nada gratuitos) BPMS’s. Passa da hora de entender que tais “soluções” só serão levadas a sério quando toparem processos de negócio realmente sérios.
  4. A imagem utilizada, sem título, é uma pintura de Stan Dominguez.