Esta série retoma um tema e propõe uma releitura de diversos conceitos apresentados anteriormente neste {finito}. Digamos que seja uma série sobre Arquitetura de Negócios. Meu principal objetivo é apresentar uma maneira de ver, estudar, analisar e desenhar negócios. Enfim, de pensar sobre negócios. A série deve ter seis partes:

    1. Negócios vistos como sistemas complexos;
    2. A função-missão do sistema-negócio, objetivos e visão;
    3. A estrutura de um negócio, seus componentes e interdependências;
    4. O comportamento e os processos de negócios;
    5. Uma conversa sobre cultura e as cinco dimensões de um sistema sociocultural; e
    6. Inovação e redesenho de negócios.

Contemplo ainda um apêndice com uma bibliografia comentada. Escrevi que a série deve ter seis partes porque o plano pode mudar. Sua participação pode sugerir rotas alternativas e maiores esclarecimentos. Conto com isso e desde já agradeço.

 

Negócio = Sistema

Todo negócio é um sistema. Um sistema classificado como complexo, assim como nosso corpo, um formigueiro e uma cidade. Um sistema é um conjunto de dois ou mais componentes interdependentes. Os componentes e suas inter-relações são a estrutura do sistema. Os componentes se relacionam de forma a realizar uma ou mais funções. A esta realização chamamos comportamento ou processo. Por fim, um sistema sempre tem, no mínimo, uma função (propósito ou missão).

Em qualquer sistema, o todo é maior que a soma das partes. Nenhum componente de um negócio pode, por si só, realizar a missão (função). Pense em uma bicicleta, por exemplo. A roda ou o mecanismo com 300 marchas, se isolados, não podem levá-la(o) a lugar nenhum. Guia #1: Em um sistema, o todo é maior que a soma das partes.

Entre o negócio e o formigueiro há um universo de diferenças. Por isso precisamos de uma classificação mais específica. Negócios são criações humanas. São sistemas socioculturais. Eles possuem cinco dimensões bastante específicas: Riqueza; Conhecimento; Valores; Poder e Beleza. Não se preocupe com elas agora.

Outra diferença fundamental entre sistemas socioculturais e os demais sistemas está no que lhes dá liga. Guia #2: Os componentes de um negócio são interligados por informações.

Como Nascem os Negócios

Uma necessidade é percebida. Uma pessoa jurídica é criada com a intenção de sanar aquela carência. E, espera-se, com as competências necessárias para tal. A certidão de nascimento dessa pessoa exibe sua Razão Social, o motivo que levou aquela organização a ser fundada. É curioso como este termo, Razão Social, perdeu sentido¹. Está aqui a função do sistema que acaba de nascer, sua missão.

Guia #3: É a função que dá forma e sentido para todos os outros componentes do sistema-negócio.
Guia #4: Uma mudança na função resulta em mudanças drásticas de todo o sistema. Por isso é tão raro vermos empresas alterando seu propósito original.

Quando um negócio nasce duas fronteiras são definidas. Aquela que delimita o próprio negócio e outra que restringe seu mercado (escopo, nicho ou ambiente transacional). O termo “fronteiras definidas” não é muito adequado. Porque essas fronteiras são abstratas, artificiais e dinâmicas. Um novo produto ou serviço, por exemplo, pode expandir consideravelmente um mercado. Assim como um novo concorrente ou uma nova tecnologia podem restringi-lo. De qualquer maneira, o sistema-negócio deve ser percebido como um componente (ou subsistema) de dois sistemas maiores, o mercado e a sociedade como um todo.

Essa hierarquia existe em qualquer tipo de sistema. Ao tratar de negócios, ela nos permite observar um princípio básico: abertura. Negócios são sistemas abertos. E mantêm três tipos de relacionamentos. Dentro de seus próprios limites ele, o negócio, encontra as únicas variáveis passíveis de controle. É importante adiantar que vários componentes de um negócio (como departamentos e pessoas) também são sistemas e possuem propósitos. Muitos dos problemas que enfrentamos em empresas vêm das diferenças entre intenções. Por isso tanto se fala sobre alinhamento estratégico. Adianto isso para dizer que em um sistema-negócio o controle é sempre parcial. Mesmo em seu interior, existem variáveis que não podem ser controladas, apenas influenciadas. Na parte que tratará de estrutura, veremos com mais detalhes outra característica fundamental dos sistemas: a auto-organização.

Aquilo que não pode ser controlado talvez possa ser influenciado. Um negócio exerce influência sobre componentes de sua própria estrutura e também de seu ambiente transacional (clientes, parceiros, concorrentes, agências reguladoras, governos etc). Essa influência pode ser exercida de diversas maneiras: plano de cargos e incentivos; ciclo de atualização de produtos; política de preços; ações de responsabilidade social; campanhas publicitárias etc. Se um negócio tem uma mínima relevância em determinado mercado, seu comportamento é percebido e reconfigura partes daquele ambiente – do sistema maior chamado mercado.

Por fim, existe um terceiro nível de relação que limita o negócio à observação, à apreciação de eventos e tendências. Como o lançamento de uma nova tecnologia ou mudanças no marco regulatório, por exemplo. Eles partem de sistemas que estão além do círculo de influência de um negócio.

As fronteiras delimitadas por um negócio são abstrações que devem ser frequentemente debatidas e revistas. Já cansou o chavão que diz “pense fora da caixa”. Mas o fato é que um negócio sinceramente preocupado com seu desenvolvimento constantemente questiona seus limites e a configuração de seu mercado. Se não fosse assim, a Apple nunca teria se tornado a maior vendedora de músicas do mundo. Guia #5: Tudo faz parte de um único sistema. Fronteiras são desenhadas apenas para atender o propósito de uma discussão.

Personalidades dos Negócios

Espera-se que todo sistema sociocultural, particularmente um negócio, mantenha um relacionamento ativo com seu ambiente transacional. Ou seja, que ele não apenas reaja ou responda às mudanças no contexto mas também crie e influencie. Um sistema ativo tem poder para escolher meios e fins. Por isso esperamos que ele seja inovador por natureza. Sabemos que não é bem assim e por isso temos uma escala de personalidades, uma classificação de sistemas-negócios derivada de seu comportamento² (de sua relação com o ambiente):

  • Passivo: não creio que exista um sistema-negócio realmente passivo. Não existe negócio 100% paradão, existe?
  • Reativo: limita-se à auto-manutenção (sobrevivência), reagindo e não aprendendo.
  • Responsivo: tem autonomia sobre os meios e acerca deles desenvolve conhecimento (aprende). Eficiência é uma palavra-chave aqui.
  • Ativo: tem autonomia sobre meios e fins. Por isso é criativo, inovador.

O gerenciamento de fronteiras (parcialmente estudado em matérias como gestão da cadeia de valor, gestão de clientes, de parcerias etc) é crítico para qualquer negócio. Porque em qualquer sistema a complexidade reside nas interfaces, nas inter-relações entre componentes, e não nos componentes isolados. Guia #6: As fontes primárias de valor e de complexidade de um sistema residem em suas interfaces.

Confirmando ou contradizendo sua personalidade como percebida pelo mercado, um negócio coloca sua Proposta de Valor. É sua função principal, destilada e apresentada de forma a exercer influência eficaz sobre o mercado. Este será o tema da próxima parte. Inté!

 

Notas

  1. Mais curioso é o fato de algumas empresas contratarem consultores para ajudá-las a definir algo (missão) que deveria justificar sua própria existência. Coisa de louco ou de negócio com séria crise existencial. Na próxima parte veremos um pouco mais sobre missão, visão e as diferenças (enormes) entre elas.
  2. Como a classificação de personalidades pode ser aplicada a qualquer tipo de sistema, faça um exercício: como se encaixa ali sua equipe de projetos? E seu departamento? Eles são reativos, responsivos ou ativos? E você, em relação à equipe, ao departamento e ao negócio como um todo? Repare como fronteiras de sistemas maiores podem significar liberdade ou camisas de força. Se quiser, compartilhe seus achados (ou perdidos) aqui. Com certeza enriquecerá o papo.
  3. Por desacoplada que pareça, esta série é sim uma (con)sequência dos últimos artigos.