Segunda parte da série +Requisitos +Conversas. O papo de hoje é sobre requisitos do negócio, aqueles que devem explicar e justificar qualquer projeto.

Falhamos muitas vezes não porque não conseguimos resolver os problemas que encaramos mas porque encaramos o problema errado. –Russel Ackoff
Requisitos do negócio são requisitos de alto nível que explicam necessidades do negócio e justificam a execução de um ou mais projetos. Requisitos do negócio representam objetivos do negócio. Muito dificilmente esta representação se dará em uma relação de um para um. E raramente este trabalho – a verdadeira definição de um problema – chegará pronto para a equipe que deve encontrar e desenvolver a solução.

Não se trata de má vontade ou trabalho mal feito, pelo menos não na maioria das vezes. Não há um protocolo universal para comunicação de problemas e requisitos. Assim como não há nem nunca haverá um processo único, uma receitinha de bolo que nos ajude a entender e comunicar requisitos do negócio. Porque, como escreveram Donald Gause e Gerald Weinberg¹, “é impossível definirem-se os problemas naturais do dia-a-dia de uma forma simples, única e totalmente não ambígua”.

O Início, O Fim e o Meio

O mapa que orienta esta série indica que a definição dos requisitos do negócio antecede o(s) projeto(s) que deve(m) satisfazê-los. Não estou sugerindo que este seja o processo e sim afirmando que é assim que as coisas acontecem, mesmo na mais bagunçada das empresas. Uma organização, ao reconhecer um problema ou identificar uma oportunidade², decide efetuar uma ou mais mudanças. Mudanças que podem ser planejadas e executadas através de projetos.

Portanto, o início de um projeto marca o fim do reconhecimento e aceitação de um problema. Colocando de outra forma: o início de um projeto indicaria o término da fase de descoberta e entendimento dos requisitos do negócio. Este é o momento em que a porca torce o rabo e nossos primeiros desafios dão as caras. Veja no pequeno inventário abaixo quais situações lhe são familiares:

  • Você não precisa saber disso, diz o cara de negócios, sonegando informações que lhe permitiriam i) Priorizar requisitos; ii) Criticar requisitos; iii) Saber se está no caminho certo; iv) Ter um propósito na vida que não seja apenas deixar-se levar; dentre outras coisas.
  • Você não é orientado a falar sobre isso pela fantástica metodologia adotada, afinal o importante é entregar dentro do prazo e do orçamento o escopo acordado, seja lá o que isso signifique.
  • Você e seus colegas estão perdidinhos da silva, sem saber o que perguntar e para quem. Mas todo início de projeto é assim mesmo, diz a voz da “experiência”.

Repare no diagrama acima que TODOS os requisitos de um projeto derivam dos requisitos do negócio. É fácil concluir que a ausência ou o desconhecimento destes torna um projeto um bate papo entre malucos, uma viagem sem destino nem mapas. Assim como deve ser fácil entender que suposições e decisões acerca dos requisitos do negócio viverão até o término do projeto e além.

Antes que muitos saibam alguma coisa, um deve sabê-lo. – Henrik Ibsen
É de fato natural que o início de um projeto seja marcado por muitas incertezas. Mas é inaceitável que a equipe não saiba o que perguntar e para quem. A primeira grande pergunta é: por que este projeto é necessário? Claro, ela pode ser formulada de outras maneiras. E seguida por outras questões abertas que ajudarão a formar uma primeira visão do projeto. Seguem algumas sugestões³:

  • Qual ou quais problemas de negócio você precisa resolver?
  • Qual é a motivação para que se resolva este problema?
  • O que pode acontecer se ele não for resolvido?
  • Que tipo de solução está fora de cogitação? Por quê?
  • Você entenderá que este projeto foi um sucesso se…
  • Quanto vale esta solução?
  • Quais pessoas ou áreas serão afetadas pela implantação desta solução?
  • Quem poderá influenciar a construção desta solução?

As duas últimas questões nos ajudam a iniciar o mapeamento de todas as partes interessadas, interesseiras, indiferentes e até as encrenqueiras. Todas as pessoas que surgirem como resposta para a última questão devem ser submetidas ao mesmo questionário acima. No bololô das redundâncias (desejadas), buscaremos por contradições, mal entendidos, suposições tácitas (escondidas) e dúvidas.

Aliás, criar e semear dúvidas é uma forma de elaborar, amadurecer e testar os requisitos do negócio. Gause e Weinberg sugerem a regra das três interpretações¹: Se você não puder achar pelo menos três coisas que possam estar erradas com sua compreensão do problema é porque não entendeu o problema”. Depois, ao apresentar essas interpretações aos envolvidos, caminhamos no sentido de eliminar ambiguidades e mal entendidos.

Este trabalho de reflexão e questionamento não combina com a pressa. Por isso será sempre recomendável que ele ocorra antes que um projeto seja disparado. Desta forma, ele não sofrerá a pressão de um cronograma. Por favor, não me interprete mal. Não estou sugerindo que esta etapa seja longa e demorada. Mas também não vou vender a ilusão do “separe 10% do cronograma para esta fase” ou o engano das iterações 0, -1 etc. Todo projeto é único. Alguns pedirão por algumas semanas de reflexão. Outros serão definidos (ou abortados) em poucas horas. C’est la vie…

Todos os trabalhos sobre requisitos que mostram alguma preocupação com este momento inicial concordam em algumas recomendações: vá devagar; seja redundante; tenha mente de iniciante; procure por todos os pontos de vista relevantes; ouça e pense, ouça e pense… (repita n vezes antes de abrir a boca). Sugestões que parecem contradizer alguns mantras do mundo moderno. Estariam ultrapassadas? Veremos no próximo capítulo, através da apresentação de um exemplo prático. Inté!

 

Notas

  1. Seus Olhos estão Abertos? – Donald C. Gause e Gerald M. Weinberg (Makron Books, 1992).
  2. Não passarei a série toda falando sobre “problemas e/ou oportunidades”. Porque o aproveitamento de uma oportunidade é, até a sua realização, um problema. Portanto, toda vez que você se deparar com a palavra “problema” acate esta interpretação, por favor.
  3. Lista surrupiada e adaptada de More About Software Requirements – Karl E. Wiegers (Microsoft Press, 2006). Que por sua vez surrupiou e adaptou de Exploring Requirements – Quality Before Design, de Donald C. Gause e Gerald M. Weinberg (Dorset House, 1989). Autores como Wiegers e Scott Berkun consideram este o melhor livro sobre requisitos já escrito. Ele mereceu uma edição em pt-br, publicado em 1991 pela Makron Books com o infeliz título Explorando Requerimentos de Sistemas. Está esgotado, mas você pode ter a sorte de encontrá-lo nos sebos da vida.