Segue o papo sobre Requisitos e Conversas. Depois dos exemplos da semana passada, hora de um pouco mais de teoria básica. Os temas de hoje são Informação, Comunicação, ruído e a relevância disso tudo para o trabalho com requisitos.

Em tempos de big data pra cá e muito ruído e contação de histórias vazias pra lá, é sempre bom relembrar o básico, (porque talvez ele já não seja assim tão) óbvio e intuitivo. Do começo: o que é informação? Difícil ser mais direto e eficaz que Bateson: “informação é a diferença que faz diferença“. A fórmula ao lado¹ nos diz a mesma coisa, de um jeito diferente.

Na prática: o previsível, o corriqueiro, o redundante e o repetitivo não nos ensinam (informam) nada ou praticamente nada. (Esta frase  parece querer confirmar o que ensina.) E o valor daquilo que pouco informa é irrisório ou nulo. Particularmente em projetos, porque informação é sua principal matéria-prima.

Choque de realidade: talvez você já tenha visto por aí um catatau com dezenas ou centenas de páginas chamado “especificação funcional” (sic) ou algo parecido. Aplique a fórmula ou regrinha acima para ter uma rápida noção do valor, da quantidade de informação de verdade que aquele documento carrega. Lembre-se das redundâncias, ambiguidades, contradições e encheção de linguiça ali persistida. Agora considere quanto aquele entregável (sic 10x) custou: as horas gastas em entrevistas, reuniões, revisões do documento etc. O quão economicamente útil é um documento assim?

Vale dizer, o problema nem é necessariamente o formato. Tem muito quadro kanban por aí que mal vale uma nota de três reais, apesar da sua belezura e pseudo-modernidade. Antes da forma, deveríamos nos preocupar com o conteúdo.

+ Comunicação

O Houaiss nos ensina que comunicação é a “transmissão de uma mensagem”. A crença na eficácia desta comunicação de uma via tem causado sérios problemas. Até no frio relacionamento entre computadores há a preocupação com a recepção – com a garantia da entrega de uma mensagem. Na comunicação entre pessoas a questão é um tanto mais complexa.

Existem diversos modelos² que ilustram todo o processo de comunicação entre pessoas. Vou apelar para um básico³:

  • Transmitida: a informação foi enviada;
  • Recebida: a pessoa na outra ponta recebeu a informação;
  • Entendida: o receptor entendeu a mensagem. Se não, é provável que o processo se reinicie com a transmissão da informação de forma diferente. Este ciclo pode se repetir diversas vezes, até que haja o entendimento;
  • Aceita: o receptor concorda com o que foi informado. Se o ciclo anterior era para compreensão, agora pode existir um ciclo de negociação. Que também pode requerer um reinício – um retorno ao primeiro estado;
  • Convertida em Ação: o receptor faz algo a respeito da informação que recebeu, entendeu e aceitou.

Em nosso dia a dia, em todo tipo de comunicação, o processo pode ser interrompido em qualquer ponto acima. Você pode, por exemplo, entender o que está escrito aqui e não aceitar e consequentemente não fazer nada a respeito. No trabalho com requisitos é importante que o analista busque o quinto estado – a conversão em ação – de toda informação de fato relevante para o projeto.

Quando trabalhamos em projetos, particularmente com requisitos, deveríamos ver comunicação da seguinte maneira4:

Comunicação = Informação * Relacionamentos * Feedback

A informação vale por si só, por ser “a diferença que faz diferença”. Mas sua simples transmissão não tem valor nenhum. A fórmula acima sugere que a comunicação vai de fato ocorrer se existir um bom relacionamento entre os interlocutores. Mas não basta. Mesmo no mais harmonioso dos ambientes, a comunicação exige mecanismos de feedback que garantam que a mensagem transmitida seja recebida, entendida, aceita e, de alguma maneira, convertida em ação.

O alcance da definição acima ultrapassa e muito o escopo desta série. Tentarei mostrar apenas a relevância daquela fórmula nos trabalhos de desenvolvimento e análise de requisitos.

Para tanto, que tal outra fórmula5?

Resposta = Informação + Confirmação + Ruído

A confirmação verbal do entendimento é a melhor depois da telepatia. -Jurgen Appelo
A confirmação é o tal mecanismo de feedback da fórmula anterior. Precisamos dela, mas nem sempre a conseguimos na primeira resposta. Independentemente da qualidade da pergunta. Por isso consideramos que uma resposta sem confirmação está incompleta. E formulamos a questão seguinte com o único propósito de obtê-la.

Entre informações e confirmações, invariavelmente recebemos ruídos. Merece este nome – ruído –  aquela palavra, gesto, olhar, sussurro ou tic nervoso que não conseguimos decifrar em um primeiro momento. Pode não ser nada. Mas pode ser uma informação ou mesmo uma confirmação carente de atenção. Decifrar ruídos no sentido de obter boas respostas e excelentes requisitos é uma das artes (secretas?) dos bons analistas.

Esta série ainda merecerá um ou mais capítulos específicos sobre conversas, perguntas , respostas e ruídos. O básico do básico sobre informação e comunicação foi colocado. No próximo artigo conversaremos especificamente sobre informações em requisitos. Te espero lá.

 

Notas

  1. Surrupiada do fundamental Managing the Design Factory, de Donald Reinertsen (Free Press, 1997). Ainda devo a entrada deste em nossa biblioteca.
  2. Um dos modelos de comunicação mais referenciados foi criado por Virginia Satir e publicado em The Satir Model: Family Therapy and Beyond (Science and Behaviour Books, 1991). Você entendeu bem: terapia de família! Gerald Weinberg utiliza o Modelo Satir em diversos livros.
  3. Scott Berkun também cita o Modelo Satir em A Arte do Gerenciamento de Projetos (Bookman, 2008). É dele o modelo básico utilizado neste artigo.
  4. Esta fórmula veio de Management 3.0, livro de Jurgen Appelo bastante citado por aqui e em outros lugares.
  5. A última fórmula foi retirada de Redefinindo a Análise e o Projeto de Sistemas, de Gerald Weinberg (McGraw-Hill, 1990) – um livro que todo analista de negócios deveria conhecer. Para não ter o mesmo destino dos analistas de sistemas…