Eu deveria saber que a enésima releitura do causo do Seu Moreira não me daria um pingo de motivação para criar os necessários exemplos da série +Requisitos +Conversas. Além disso, aquela história é longa e relativamente complexa. Minha intenção nesta série é fixar conceitos básicos. Um estudo de caso extenso me afastaria do que é realmente importante. Portanto, a partir deste capítulo apresento um novo problema que deve servir para ilustrar as sugestões já publicadas e todas que estão por vir.

Antes, um aviso: os exemplos ficam mais ricos quando elaborados por mais de uma pessoa. Ao colocar dúvidas, sugestões ou críticas, você puxa a história para lugares que este escriba, por mais que se esforçasse, nunca imaginaria. Sigo contando contigo.

Que tal um problema que afeta oito em cada dez adultos? Muita gente tem problemas para organizar seu dia a dia. Eu sei que na Web e nos modernos mercadinhos de aplicações já existem centenas ou milhares de organizadores pessoais. Conheço gente que tem uns dez aplicativos deste tipo instalados em seus smartphones e tablets e segue sem entender porque seu dia é tão bagunçado. Então, por que não tentar desenhar o melhor organizador pessoal de todos os tempos desta semana?

Meu caro, jogue fora todas as suas ideias pré-concebidas e seja neutro. Você sabe por que este copo é útil? Porque ele está vazio. -Bruce Lee
Conseguiríamos fazer algo diferente e realmente útil? Neste momento, temos apenas uma folha em branco e uma ideia na cabeça: “organizador pessoal”. Esta ideia é um requisito? Claro! Mas está tão aberto, tão ambíguo, que pode nos levar para qualquer lugar – de uma cadernetinha de papel até um sofisticado sistema para celulares espertos. Vimos em um capítulo anterior que neste momento – quando um nome para a solução é cogitado – as primeiras suposições se consolidam. Isso pode ser um perigo¹.

Mas é o que temos aqui e em muitos projetos em seu dia zero. Como reduzimos a ambiguidade e o risco das suposições equivocadas logo de cara? Fazendo boas perguntas. Para quem? Neste novo caso teremos duas fontes principais. A primeira eu espero que seja você. A outra fonte será representada por alguns personagens fictícios². Segue um breve papo com o primeiro, Zak, o consultor enrolado:

– Zak, o que é um organizador pessoal para você?

Uma ferramenta que me ajude a listar tudo o que preciso fazer em um dia, na semana e no mês. 

– Qual ou quais problemas essa ferramenta resolveria?

O primeiro é não me deixar esquecer das coisas importantes que preciso fazer. Ele deve me lembrar e cobrar, como se fosse uma atenciosa e chata esposa.

–  Existem outros (problemas)?

Sou meio desorganizado e atendo clientes e projetos diferentes. Queria poder organizar minhas pendências assim, por clientes e projetos.

Sik, um gripado e sobrecarregado gerente de projetos ouviu a conversa e imaginou outras utilidades para a ferramenta:

O Zak falou sobre projetos. Sabe, nunca vi uma ferramenta simples e eficaz que me ajudasse a gerenciar o que precisa ser feito e facilitasse a comunicação com a equipe. 

– Puxa Sik, mas existem tantas desse tipo por aí. Por que elas não te atendem?

São burocráticas demais. Exigem n cadastros e coisas assim. E são travadas em um tipo de visualização do projeto que raramente me diz alguma coisa, os tais gráficos Gantt. Sabe, ando numa onda mais light. Queria ver só um lista simples com uma classificação idem: O que precisa ser feito, O que está sendo feito, O que está sendo testado, O que foi entregue – só isso.

– Zak, essas necessidades do Sik, se atendidas, nos desviariam muito do atendimento de suas necessidades?

Acho que não, pelo contrário. Essa ideia de ver a situação, o estágio atual de cada pendência, é uma boa. Mas o que mais gostei foi do papo sobre facilitar comunicações. Eu poderia passar pendências para meus clientes e colegas diretamente da lista? Isso seria uma maravilha.

Porque evitaria o uso de outra ferramenta, né? O fatídico email… – disse Sik.

Repararam como um único olhar de fora chacoalhou as definições anteriores? O que era, em um primeiro momento, um organizador pessoal, se transformou em uma ferramenta para um gerente de projetos. Isso é bom ou ruim? Na maioria das vezes, é mais que desejável. Porque ainda não nos comprometemos com nada. Nossa folha ainda está em branco. E, por enquanto, estamos buscando apenas um bom entendimento do problema ou dos problemas que precisam ser resolvidos.

O que nos traz para um outro problema: você! Esta ferramentinha teria alguma utilidade para você? Você imagina outros problemas que ela ajudaria a resolver? Você pode me ajudar a contar essa história?

 

Notas

  1. Uma vez fui deslocado para gerenciar um projeto porque o importante CIO daquela multinacional havia dito que se tratava de uma iniciativa de Business Intelligence. BI era a sigla da moda naquela época. Passados uns dois meses, quando finalmente aquele time de TI parou de barrar nosso contato com os usuários de verdade, descobrimos que o projeto não tinha nada, nadinha mesmo de BI. Nada de cubos OLAP, dashboards executivos ou coisas do tipo. Praticamente todo o trabalho estava condenado porque duas palavrinhas (ou duas letrinhas) plantadas lá no início guiaram a formação do time, o processo de desenvolvimento de requisitos e toda a arquitetura da solução.
  2. Os personagens fictícios servirão como bela deixa para que possamos explorar uma ferramenta muito útil quando não temos usuários disponíveis para basear o desenvolvimento de requisitos. Personas será o tema do próximo episódio. Até lá, vale a pena dar uma olhada nesta apresentação.
  3. Espero que esta não seja sua única motivação: a melhor colaboração colocada na forma de comentário neste artigo merecerá uma vaga em qualquer treinamento FAN agendado para as cidades de São Paulo ou Curitiba. A vaga é pessoal, intransferível e inegociável. Como todos os comentários são públicos, você saberá os critérios que utilizei para fazer a seleção.