Durante o desenvolvimento da pequena série sobre Arquitetura de Negócios senti necessidade de uma ferramenta que sintetizasse todos os conceitos. O Business Model Canvas já estava na moda. Era natural que ele servisse como ponto de partida. Mas suas limitações apareceram logo de cara. Ele não foi criado para representar comportamento nem aspectos da cultura de uma organização. Carente de experiências e feedback, a primeira versão do Tabuleiro Sistemático apresentou os mesmos problemas. As únicas coisas que ele agregou foram um espaço para a concorrência e outro para representar governos, agências reguladoras, sindicatos etc. Ou seja, ainda não merecia o sobrenome “sistemático”.

Por que sistemático? Termo bobinho para algo muito sério. A arquitetura de negócios, por definição, exige a visão do todo. Melhor: ela existe para nos ajudar a compreender, descrever, examinar e explorar uma empresa e seu ambiente como um todo. Belo desafio. Quais disciplinas ou ciências foram criadas para isso? Temos uma¹, normalmente apresentada como Pensamento Sistêmico. Negócios são um tipo muito especial de sistema. Eles são socioculturais. Eles são adaptativos e complexos. Estudá-los e, mais que isso, tratá-los como sistemas deve fazer todo o sentido do mundo.

Deveria… Mas não é o que normalmente vemos por aí. Predominam o raciocínio reducionista e o imediatismo. Práticas e ferramentas incentivam o trabalho a la Descartes – quebre o problema em pequenos pedaços, resolva-os um a um etc. Priorize-os assim: pra tresantontem, anteontem, ontem e por aí vai.

Vai? Cada vez menos. Porque os negócios e seus problemas estão mais complicados e complexos. E parecem pedir por outro tipo de enfoque. Daí o pensamento sistêmico. Daí a necessidade de um Tabuleiro Sistemático.

A Linguagem Sistêmica

O tabuleiro foi desenhado de forma a facilitar e incentivar o uso da linguagem sistêmica. Na metade do lado esquerdo temos dois espaços que concentram o lado hard de qualquer organização: recursos e processos. A parte superior do lado direito sugere uma tradução ou explicação da missão: o que é vendido (ofertas), onde/como (canais) e para quem (clientes). Da parte inferior falaremos depois.

A linguagem sistêmica, considerando-se a quantidade de símbolos, é muito simples. Existem apenas as variáveis e suas inter-relações representadas por setas e dois símbolos²:

  • M: indica que o movimento da segunda variável será o Mesmo ocorrido na primeira. Em outras palavras, se a variável 1 aumentar, a segunda também aumentará.
  • O: o movimento da segunda variável será o Oposto daquele verificado na primeira. Ou seja, se a variável 1 aumentar, a segunda vai diminuir.

Se este é o seu primeiro contato com a linguagem sistêmica, não se preocupe se as definições acima pareceram meio nebulosas. O exemplo abaixo deve ajudá-lo.

A imagem mostra um diagrama de efeitos (CLD – Causal Loop Diagram) no interior do tabuleiro. Este tipo de diagrama pode ser lido a partir de qualquer ponto. Afinal, é um loop. Comecemos pelo Débito Técnico – a quantidade de cácas que o time precisa corrigir. O diagrama diz que quanto maior o débito, maior será o Volume de Trabalho. Assim como será maior o Prazo para Atendimento das demandas. O que indica que as três variáveis se movem na mesma direção é a letra M.

Agora a coisa muda de figura – pintou um sentido Oposto. Repare que se o Prazo para Atendimento aumentar o Nível de Satisfação dos clientes vai diminuir. Por outro lado, a redução no Prazo dos Atendimentos aumentará o Nível de Satisfação. E um aumento ali engordará as Bonificações, fato que colabora positivamente com a Motivação do Time e, consequentemente, com a redução do Débito Técnico. Usar “consequentemente” na descrição de um diagrama de efeitos é a redundância das redundâncias. Me desculpe.

O diagrama representa um ciclo de reforço. Sinaliza um potencial ciclo virtuoso. Como o mundo não é perfeito, é factível supor que o exemplo é um tanto mentiroso. E a maior mentira está na relação Bonificações -> Motivação. Mas existem outras. Minha intenção foi apenas ilustrar o uso de um CLD combinado ao Tabuleiro, agora justificando o sobrenome Sistemático.

Através do CLD o tabuleiro aprendeu a capturar comportamento – ganhou poder para representar a dinâmica de um negócio e seu mercado. Serve tanto para contar histórias quanto para projetar cenários. E pode combinar uma visão do presente (as is) com o futuro (to be), este destacado nos blocos Mudanças, Aprendizado e Projetos. Mas outro coelho morreu nessa cajadada.

Repare como o diagrama contém tanto variáveis objetivas, facilmente mensuráveis (prazo, backlog) quanto subjetivas (motivação). É a própria linguagem sistêmica que nos dá essa abertura. Portanto, não há impedimento para o registro de componentes da Cultura Organizacional.

Do que ela é formada? Como apresentado na série Pensando Negócios, podemos ver a cultura de uma empresa como a combinação de cinco dimensões: Riqueza, Conhecimento, Poder, Valores e Beleza. A cada uma delas associamos dois verbos: gerar e distribuir. Variáveis como Participação nos Lucros, Necessidades de Treinamento, Grau de Autonomia, Propensão para Inovar, Harmonia, Teimosia e uma infinidade de outras ganham espaço no tabuleiro quando a linguagem sistêmica é adotada. E ela não se limita ao CLD. O tabuleiro possibilita o desenvolvimento de diagramas estoque x fluxo.

Plug-Ins

O termo canvas nos remete à pintura, arte. Optei por tabuleiro pela vinculação óbvia com jogos. Existem tabuleiros específicos e outros que permitem tipos diferentes de jogos. O Tabuleiro Sistemático tenta se encaixar neste segundo perfil. As colunas do lado direito podem virar um Balanced Scorecard, por exemplo. Também é possível brincar com análises SWOT. Com a dimensão adequada, o bloco Projetos pode acomodar uma ferramenta de análise de portfólio devidamente amparada pelas demais informações contidas no quadro. Ou seja, existem várias possibilidades de uso. Acho que não imaginei nem metade delas. Ainda bem. Afinal, que graça teria se eu o fizesse?

Notas

  1. Peço desculpas aos sociólogos, antropólogos, psicólogos, especialistas em organizações, administradores de empresas, comentaristas de futebol e todos os outros que se sentiram ofendidos pela simplificação absurda que cometi.
  2. Exagerei aqui também. A linguagem sistêmica tem algumas coisinhas além dos dois símbolos sugeridos. Elas serão apresentadas oportunamente. Sobre os símbolos utilizados (M e O), preciso dizer que eles não são muito comuns. A maior parte dos livros e artigos apresenta os sinais + e -. Optei pelas letras por uma questão de didática. Ainda não sei se são realmente mais eficazes. Segui o caminho proposto por Dennis Sherwood em “Seeing the Forest for the Trees: A Manager’s Guide to Applying Systems Thinking” (Nicholas Brealey Publishing, 2002).