Fim da primeira parte de uma longa série não planejada. Os artigos refletem estudos e experiências em andamento. Hora de ligar os pontos e apontar os próximos passos.

O estopim-desculpa para a série foi uma acusação não rebatida: nossas organizações lidam muito mal com o tempo. Iludem-se com orçamentos anuais e na esperança de que o mundo exterior, particularmente seus clientes e concorrentes, respeitem seu ciclo de vida pré-pago (pré-fixado). Não importa que o mundo esteja pegando fogo, a maioria das organizações quer promessas de previsibilidade e estabilidade. E se estrutura de forma a acatá-las e implantá-las.

Processos-algoritmos são desenhados e implementados por pequenos gênios da raça. Computadores não pensam nem questionam. E onde eles não são suficientes, alocam-se pessoas isentas de usar o intelecto: siga o script! E se o João-cliente não acatar o roteiro, problema dele. Porque o processo-algoritmo do pequeno gênio é perfeito. É?
Seria… em um mundo menos complexo.

Os escassos pequenos gênios alocados para pensar estão pifando. Seus processos-algoritmos são motivo de chacota com frequência cada vez maior. Seu modelo não se sustenta. Não é viável. Sendo assim, o que colocar no lugar?

E se até a mais insignificante unidade funcional de uma organização fosse dotada de identidade, propósito e inteligência? Como seria uma organização onde, como no corpo humano, cada célula e sub-sistema tivesse autonomia e capacidade para se auto-gerenciar?

Quatro sugestões foram apresentadas no decorrer da série: VSM, Organizações Fractais, Empresas Conectadas e algumas pitadas de design (idealizado) de Russell Ackoff. Não parecem existir impedimentos para a combinação delas. Mas qualquer tentativa de fazer desse “mix” uma receitinha de bolo é trabalho de pequeno gênio… fadado ao fracasso.

O que pode ser colocado, como síntese, é o rabisco ao lado. Combinando as sugestões de Beer e Ackoff, podemos ver o sistema 1 (operacional) como uma convivência de três tipos de unidades: Entrada, Saída e Relacionamentos. Convivência norteada por princípios de uma economia de mercado.

Quando há uma unidade de relacionamento (como a filial ilustrada no artigo anterior), é ela a responsável pelo contato direto com o ambiente. Ainda em operação percebemos outros três sistemas: Coordenação (2), Gestão (3) e Monitoramento (3*). Para melhor entendimento sobre eles, veja este artigo.

Como vimos anteriormente, toda a Operação representa a empresa hoje. É a organização realizando sua missão, criando e disseminando riqueza.

Lá em cima vemos o sistema 5, Identidade e Propósito. É onde uma organização define sua razão de ser e proposta de valor. Também é onde a Visão é revista e atualizada – apresentada no rascunho como Objetivos. Esse trabalho – normalmente conhecido como Planejamento Estratégico – parte de informações coletadas pela Inteligência (que vive para estudar o “lá fora, no futuro”). Em uma organização viável, não é trabalho para um pequeno time de pequenos gênios. Ocorre através da interação dos sistemas 3 (Gestão), 4 (Inteligência) e 5 (Propósito). Na prática significa que envolve um monte de gente. Planejamento será o tema dos próximos capítulos.

Resta falar um pouco mais sobre o recheio do sanduíche proposto, a Transição. Como colocado em artigo anterior, algumas organizações tentaram cobrir esse espaço. Instalaram famigerados Escritórios de Projetos e afins. Outras apresentam departamentos de P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). Poucas conhecem os ingredientes, quantidades adequadas e receitas para o recheio. Por exemplo: quantos desenvolvedores estão por aí se equilibrando entre demandas de manutenção e projetos novos? Quantos gerentes estão ancorados no inferno do dia a dia, sem míseros minutos para apreciar e avaliar o “lá fora, no futuro”?

E quando eles são convidados a fazê-lo – em sessões anuais de “orçamentação” – são forçados a projetar um horizonte de 365 dias ou mais, como se o bonito laptop que ostentam tivesse a funcionalidade de uma bola de cristal.

Silo? Se-lo-ei!

Não poderia encerrar esta parte sem outra provocação. Saca só o diagrama ao lado. As faixas verticais identificam áreas de conhecimento mais famosas. Cada faixa contém um ou mais guias para corpos de conhecimentos, diversos métodos e frameworks e centenas de práticas e ferramentas.

As sobreposições e redundâncias são inevitáveis. A confusão – a bagunça – um claro sintoma de que há algo muito errado em nosso mundo.

Empresas que são dedicadas seguidoras de modas chegam ao absurdo de instituir escritórios de projetos, escritórios de processos, centros de excelência em análise de negócios (argh!), comitês de arquitetura e, lá no finalzinho do corredor, um tal time de dublês de POs (product owners). Silos? Se-lo-emos!!

O “mapa do inferno” acima virou um projeto paralelo. Já cataloguei cerca de 200 itens, contando com o apoio de alguns colegas. Deve brotar em breve na forma de um infográfico. Estudo seriamente a possibilidade de convertê-lo em um wiki. Mas o principal produto será o catálogo de cursos e palestras do ano que vem. Silos? Pra que os quero?

Notas

  1. O diagrama com três fatias permite outras leituras além daquelas apresentadas até aqui. O diamante-duplo (double diamond, modelo de processo proposto pelo British Design Council) pode figurar na vertical, tocando as três áreas. O mesmo vale para o funil de conhecimento (knowledge pipeline, proposto por Roger Martin), posicionando mistério-heurística-algoritmo nas três fatias. Será que essas “coincidências” merecem um pouco mais de tempo e espaço?
  2. Interesting Shapes and Colors é o nome da imagem no topo. QThomas Bower, de novo.