A cigana leu o meu destino
Eu sonhei!
Bola de cristal
Jogo de búzios, cartomante
E eu sempre perguntei
O que será o amanhã?

Para quem prefere chutes um pouco menos esotéricos, seguem três livros que ajudam a entender o que vem por aí. Amanhã e depois.

A Vida Digital, de Nicholas Negroponte, ainda é um caso único. Lançado em 1995, o livro descrevia cenários que pareciam distantes. Uma rede global livre e gratuita, comércio eletrônico, sistemas abertos (Linux, Apache etc), dedos substituindo o mouse, vídeo por demanda (Netflix, Youtube), neutralidade da rede, empurrar x puxar, o avanço da China, o que recebemos por cabo virá pelo éter (telefone) e viceversa (TV). Havia um amanhã bem descrito naquele livro. Em grande parte, um futuro desejável.

Cá estamos, com quase tudo o que Negroponte antecipou e um tanto de consequências menos agradáveis. A bagunça gera um nevoeiro espesso. Olhando a tecnologia, um dos propulsores das mudanças aceleradas, temos apenas mínimas certezas. Quase todas derivadas da Lei de Moore. Talvez o trabalho de desenhar cenários agora seja mais difícil que o de Negroponte. Por isso selecionei três dicas de leitura. Três perspectivas que, apesar das sobreposições (Big Data, IA, IoT etc), são diferentes e complementares.

Inevitável – As 12 Forças Tecnológicas que Mudarão Nosso Mundo

Kevin Kelly é cofundador da revista Wired (que teve Negroponte como colunista nos bons tempos) e autor de livros de sucesso, dentre eles Para Onde nos Leva a Tecnologia (Bookman, 2012). Otimista confesso, pinta um futuro cor de rosa. Somos alertados sobre seu viés.

Rotular as 12 forças como inevitáveis foi corajoso. Projetar algumas no horizonte de 20, 30 ou 100 anos é arriscado. Mas seus argumentos são fortes. E os exemplos têm o jeito das profecias autorrealizáveis. O livro deve servir como fonte de inspiração para designers e arquitetos de soluções.

As 12 forças são apresentadas como verbos. Porque, explica Kelly, nessa nova era tudo é fluxo – tudo está em movimento e não há linha de chegada. Segue a lista¹: Becoming, Cognifying, Flowing, Screening, Accessing, Sharing, Filtering, Remixing, Interacting, Tracking, Questioning, Beginning. Em cada capítulo temos a chance de ver casos de uso de Big Data, Inteligência Artificial, Aprendizado de Máquina, Internet das Coisas etc.

Dentre as várias provocações, uma deveria virar pôster ou camiseta: “Nessa nova era, somos todos iniciantes. Pior, seremos iniciantes (newbies) para sempre.

1ª Edição – HSM, 04/2017 (368 páginas)

Whiplash – Como Sobreviver ao nosso Futuro Acelerado

Joi Ito ocupa o cargo que já foi de Nicholas Negroponte no MIT Media Lab. Jeff Howe é seu colega, já escreveu para a Wired e nela criou o termo Crowdsourcing.

A Alta Books nos fez o desfavor de trocar o chicote (Whiplash) por “Disrupção e Inovação”. Que o restante da tradução não siga a linha “use a hashtag da moda”. Porque o livro não fala de modismos, muito pelo contrário.

Os autores nos apresentam os 9 princípios que guiam os estudos e trabalhos no Media Lab. Eles dizem que “fomos abençoados (ou condenados) a viver numa era interessante”. Num tempo em que nossas tecnologias “ultrapassam a nossa capacidade de compreensão”.  E repetem o McLuhan que eu vivo replicando neste finito: “nossas ferramentas e conceitos ficaram obsoletos”. Os 9 princípios nos ajudariam a atualizar nossa caixa de ferramentas e sobreviver. Eles são apresentados assim:

Emergência ⏴ Autoridade
Puxado (pull) ⏴ Empurrado (push)
Bússolas ⏴ Mapas
Riscos ⏴ Segurança
Desobediência ⏴ Conformidade (compliance)
Prática ⏴ Teoria
Diversidade ⏴ Habilidade
Resiliência ⏴ Força
Sistemas ⏴ Objetos

São sugestões que vemos por aí não é de hoje. A diferença está na amarração – no conjunto. Cada capítulo ilustra, com riqueza de exemplos, a urgência de dado princípio. Leitura fácil e às vezes poética. Quando, por exemplo, sugere que a gente “dance no espaço entre as disciplinas”.

1ª Edição – Alta Books, 11/2017 (320 páginas)
Não sei porque está indisponível nas lojas. Se for o caso, corra para a versão original em inglês.

WTF?: What’s the Future and Why It’s Up to Us

Tim O’Reilly não gosta de ser apresentado como futurista. Mas ele antecipou tanta coisa (WWW, Software Livre, Web 2.0, dentre outras) que fica difícil evitar o rótulo. Seu livro é diferente dos dois anteriores porque: 1) Não evolui a partir de  uma lista de tendências, princípios ou afins; 2) Não faz vista grossa para notícias ruins; e 3) Usa muito o passado para amparar seus argumentos.

O último ponto motivou resenhas negativas como “parece que o cara quer mostrar quanta gente importante ele conhece”. Essa é a diferença: Tim se relacionou com muita gente que fez e faz diferença, em TI, economia, política etc. E justifica o apelo ao passado citando Mark Twain: “a história não se repete, mas quase sempre ela rima”.

É pelo segundo ponto acima – por não ficar em cima do muro – que Tim ganhará novos detratores e avaliações com uma estrela. Quando, por exemplo, ele aponta para o início dos anos 1980 e diz que “fizemos a escolha errada. Não precisamos ficar presos a ela”. Ele está falando sobre o momento em que inventamos que “ganância é uma coisa boa”. Em outro trecho ele escreve que “Para cada Elon Musk – que quer reinventar a infraestrutura energética do mundo, criar novas formas de transporte e colocar humanos em Marte – há muitas empresas que estão simplesmente usando a tecnologia para reduzir custos e aumentar o preço das ações, enriquecendo aqueles que podem investir nos mercados financeiros à custa de um grupo cada vez maior que nunca poderá fazê-lo. Os políticos parecem perdidos, assumindo que o avanço da tecnologia é inevitável, e não algo que devemos moldar.” O inevitável da última frase parece provocar o primeiro livro acima. It’s up to us!, insiste. É muito bom que formadores de opinião do tamanho de Tim O’Reilly pensem assim.

Este livro é mais extenso e ambicioso. Em alguns momentos, um pouco chato. Mas, como os outros dois, muito útil no desenho de cenários. Da capa já é possível fazer uma previsão: uma eventual versão tupiniquim não brincará com WTF? PQ$%!

1ª Edição – HarperBusiness, 10/2017 (448 páginas)

2018 será outro ano difícil, repleto de confusões e distrações. Que a gente saiba ser o contraponto, com saúde, equilíbrio e inteligência. Feliz ano novo!

Notas

  1. Me baseei na versão em inglês e não sei como as forças foram traduzidas. Por isso preferi manter os termos originais.
  2. O Amanhã, famosa na voz de Simone, foi composta por Didi e João Sérgio.
  3. fleeting memories é um rabisco coletivo compartilhado no flickr por Steve Loya.