Há quatro anos iniciava meu mergulho na Análise de Negócios, estudando o mercado e desenvolvendo o programa de treinamento que seria lançado em junho/07. Muita coisa parece diferente agora, particularmente a difusão da disciplina. Infelizmente, muita coisa parece inalterada ou ter mudado para pior. Neste artigo pretendo discutir alguns problemas que impedem o uso pleno e eficaz da Análise de Negócios pelas organizações.

Naquela época algumas pessoas diziam que o bafafá sobre Análise de Negócios não passava de uma moda. Sempre admiti que a disciplina vivia seu momento, algo semelhante ao que havia acontecido com o Gerenciamento de Projetos a partir da segunda metade da década de 1990. E completava: “antes tarde do que nunca”. Porque já tinha muito tempo que diversas fontes, ao analisar as razões de tantos fracassos em projetos de TI, apontavam o mau entendimento de um problema e questões de comunicação entre times técnicos e de negócio como algumas das principais causas de tanto insucesso.

Surrupiei e uso desde então uma colocação que Fred Brooks fez em seu artigo “No Silver Bullet” (publicado originalmente em 1987 e disponível como capítulo adicional do livro “O Mítico Homem-Mês“, Campus – 2009):

A precisa definição sobre o que precisa ser feito é a parte mais difícil da construção de um software. Nenhuma outra compromete tanto um projeto quando mal executada. E nenhuma é mais difícil de ser corrigida.

A Análise de Negócios, por definição, ataca exclusivamente¹ a “parte mais difícil da construção de um software”. Por isso eu dizia e repito: “antes tarde do que nunca”. Que a disciplina tenha vindo para ficar. Ou, melhor dizendo, que a “moda” (assim, entre aspas) tenha vindo para ficar. Porque a disciplina está conosco há um tempão.

O problema é que sua presença não era percebida como sendo uma disciplina, um único corpo de conhecimentos. No RUP, por exemplo, surgia em dois lugares: Modelagem de Negócios e Requisitos. Em outras propostas e métodos dava sua cara sob o disfarce de “<verbo> Requisitos” (Levantamento (sic) de Requisitos, Coleta (10x sic) de Requisitos, Gerenciamento de Requisitos  etc). Esta ligação direta, Análise de Negócios -> Requisitos, é tão comum e pouco questionada que contamina não só a forma como muitas empresas interpretam e usam a disciplina, marca também os mais graves enganos do BABoK.

Por incrível que possa parecer, muitas empresas (algumas bem grandinhas) entendem que o analista de negócios é aquele cara que senta na frente de um usuário e anota tudo o que ele pedir. Não são analistas de negócios, são “tiradores de pedidos”. É fácil identificar empresas com tal grau de miopia: basta pegar a média de idade e de tempo de casa de seus analistas. Em outras (poucas) organizações tive a surpresa e felicidade de encontrar analistas com mais de 20 anos de casa². É nítida a mensagem que elas passam: “essas pessoas conhecem como pouquíssimas a organização, por isso elas têm melhores condições de analisar nosso negócio”.

A atenção exclusiva ao incêndio nosso de cada dia – às operações insanas tocadas por times pequenos tentando segurar diversos sistemas bichados – anula qualquer benefício que a Análise de Negócios pode trazer.

Como em toda “moda”, há aqueles que compram sem saber o que estão comprando. Nem sabem se precisam daquilo. “Como o vizinho da grama mais verde está usando analistas de negócios, então eu também quero”. Não são poucos os profissionais que me procuram reclamando que foram contratados como AN’s mas que só fazem o trabalho de analistas de sistemas ou de suporte. Na realidade, como já chorei por aqui, a atenção exclusiva ao “incêndio nosso de cada dia” – às operações insanas tocadas por times pequenos tentando segurar diversos sistemas bichados – anula qualquer benefício que a Análise de Negócios poderia trazer. Cheguei a pensar no seguinte título: “Parem de Contratar Analistas de Negócios!“. Mas acho que soaria alarmista demais… e incompleto. Quem dera o problema fosse “só” esse.

A alta rotatividade de profissionais – tema que tenho debatido no GRAFFiTi (1,2) – é particularmente nociva quando atinge analistas de negócios. Sei de empresas que perderam mais da metade de seu time de AN’s em menos de dois anos. Desenvolver as habilidades técnicas de um AN é relativamente rápido e barato. O mesmo não pode ser dito sobre o Conhecimento do Negócio. Dependendo das experiências anteriores do analista – se já atuou naquele ramo de atividades, por exemplo – pode ser demorada e custosa a aquisição deste conhecimento. É difícil justificar a adoção de uma política de retenção específica para AN’s. Mas as empresas precisam entender que cada AN perdido (ou demitido) pode ser um desperdício que não se recupera em 12 meses.

O que mais me angustia é a sensação de que boa parte dos participantes de meus treinamentos não poderá utilizar ou praticar muito do que aprendeu (ou que eu espero que ele tenha aprendido). Por quê? Porque a Análise de Negócios é apenas uma peça do complexo quebra-cabeças chamado “Desenvolvimento de Sistemas”. Como desenvolver requisitos de maneira iterativa e incremental se a empresa ainda está casada (através de muito papel passado) com o modelo Waterfall? Por isso algumas de minhas sugestões sempre são recebidas da mesma maneira: “meu ‘chefe’ (sic) deveria estar aqui ouvindo isso”. AN’s trabalhando em duplas? AN’s dedicados a apenas um ou no máximo dois projetos? Esquece…

As empresas vivem aturdidas e um tanto perdidas. Significa dizer que seus objetivos nem sempre ou quase nunca são conhecidos (ou entendidos). Jogue na mesma cumbuca departamentos de TI que, de tanto não entregar, desaprenderam a dizer “não” ou perderam o direito de dizê-lo. Pronto: está criado o ambiente maluco de gente que acredita (na marra) que é possível atender e entregar 20 ou 10 projetos simultâneos.

Mais triste é saber que a Boa Análise de Negócios, se bem aplicada, ajudaria a reduzir essa sensação de não saber o que fazer. Ajudaria tanto a área de TI quanto a organização como um todo. Acontece que são raríssimas as organizações que percebem a disciplina desta forma. As outras, mesmo que percebessem, agora veriam uma área repleta de “tiradores de pedidos” com rostos assustados.

Não queria abrir a temporada de artigos em tom tão pessimista. Mas eu entendo que é minha obrigação publicar esse tipo de alerta. Espero já ter esgotado as principais notícias ruins acima. Porque sei que também é minha obrigação tentar dar algumas dicas que ajudem as organizações a combater o mau uso da Análise de Negócios. Ou, colocando de forma mais positiva, tentarei mostrar como é o bom uso da Análise de Negócios. Inté!

Observações:

  1. Antes que atirem pedras: eu escrevi acima que a “análise de negócios, por definição, ataca exclusivamente ‘a parte mais difícil da construção de um software'”. Claro que estou falando da Análise de Negócios aplicada *exclusivamente* em projetos de software.
  2. Por favor, entenda que não estou defendendo que todo AN deve ter 10 ou 20 anos “de casa”. Apenas ilustrei um caso extremo e bastante específico. Por outro lado reforço sim que uma empresa que leve a sério a Análise de Negócios deve ter um bom número de analistas com considerável experiência naquela organização ou mercado. O que chamo de “considerável experiência”? No próximo artigo a gente conversa sobre isso.
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