Existem usuários e usuários. Quem convive com eles sabe que cada um tem suas peculiaridades – suas necessidades e desejos, suas reclamações e chororôs, seus jeitos e manias, seus tiques e chiliques. Mas isso não nos impede de identificar e traçar alguns padrões, perfis, estereótipos e… Estereotipinhos!

O analista de negócios mais esperto sabe que não pode colocar a mão no fogo por todos os requisitos que aprende. E as melhores pistas que ele tem para não se queimar são o jeitão e a postura dos usuários. Não, o analista não precisa virar o Doutor Cal Lightman (personagem de Tim Roth na série “Lie to Me”) – um cara que percebe mentiras e outras coisas simplesmente observando seus interlocutores.  Mas atenção e canja de galinha não matam projeto nenhum, certo?

Este artigo não é (muito) sério. Ele pretende apenas apresentar alguns perfis de usuários que costumam criar probleminhas em projetos. E dar algumas sugestões para que os analistas evitem maiores acidentes.

.:.

Caetano

CaetanoO usuário Caetano é carente. Passa eras esquecido em seu departamento Trancoso. A cada bimestre ele tenta receber um pouco de atenção, naquelas enfadonhas e inúteis reuniões com todo o escalão intermediário. Caetano só lida com processos de apoio (leia-se Despesas). Então só merece atenção quando a realização de seu backlog é uma obrigação. De vez em quando acontece. E lá vai o analista ouvir tudo o que o Caetano precisa.

Caetano fala devagar, mas não para de falar. Parece que não precisa da pausa para respirar. E fala, fala e fala. Pede uma coisa, reclama de outras duas. Pede duas coisas, reclama de alguém genérico. Caetano adora abstrações e picuínhas. E mistura tudo em 45 minutos de um monólogo muito chato. Quando se aproxima dos ‘finalmentes’, Caetano desacelera: “Como vou saber o que estou pensando se não ouvir o que estou falando?” Suas frases ficam mais curtas e cada vez mais lentas. Até que há um intervalo que dura entre 5 e 10 segundos. Aí, num moroso (de) repente, Caetano condena toda a sessão de desenvolvimento de requisitos com apenas duas palavrinhas: “Ou não”.

Ao analista resta: respirar fundo e ter muita paciência. Caetano é carente e acha que TI nunca lhe dá atenção (o que é a pura verdade). Suas demandas nunca são prioritárias. O analista deve evitar interromper o monólogo, para não correr o risco de ter um Caetano nervoso e irritado. E deve tentar entender o “ou não”, por impossível que isso pareça.

Glória

GloriaAh, a usuária Glória – uma novelista nata. Adora contar histórias (no meio de uma sessão de desenvolvimento de requisitos). Não, não o tipo de história que agradaria agilistas. Suas histórias são muito longas, verdadeiros épicos. E intrincadas demais. Glória normalmente comanda um departamento “global” – atinge todo mundo. RH, financeiro ou algo do tipo. Parece que todos na empresa gostam da Glória. Alguns por obrigação. Mas seu Ibope é alto: ela é realmente muito simpática. Calorosa até na hora de expressar seus requisitos.

Glória complica demais e é voluntariosa. Aprendeu e ensina que tem mais valor aquele profissional que não se limita a reportar problemas. Ela adora apresentar soluções. Praticamente cada requisito que ela pede já vem acompanhado da solução ideal. Mas suas soluções, quando não são ingênuas demais (“Nossa, mas colocar esse campinho na tela é tão fácil!”), são nonsense de tão complexas  (“Então vamos colocar a Deborah numa caixa de papelão e entregá-la, como que por acidente, na casa do galã da novela”).

Pobre analista: você deve ser muito sutil ao pedir para a Glória que ela se limite a dizer “o que ela precisa”. Explique, gentilmente, que o “como” é responsabilidade de outra patota, outra plateia. Diga que, se for o caso, ela pode até participar das sessões de brainstorming que definirão a melhor solução. A equipe técnica o odiará por isso. Ninguém se esquece que Glória já derrubou coordenadores, arquitetos e até diretores no passado.

Azevedo

AzevedoAzevedo é um usuário azedo. Para ele, tudo e todos estão sempre errados. E ai de quem discordar. Azevedo vive colado no alto escalão – tem “moral”.  Apesar de seu job description não formalizar e ninguém pedir, Azevedo sempre se mete nos temas estratégicos da empresa. E parece ter resposta para tudo. Ele é muito culto, um intelectual de chapéu panamá. E gosta de exibir a riqueza de seu vocabulário quando expressa seus requisitos.

Azevedo detesta ser entrevistado – particularmente para o desenvolvimento de requisitos. Ele não fala, mas indica que os entrevistadores nunca estão a sua altura. Ele gostaria mesmo é de ser entrevistado pelo diretor de TI, CIO ou equivalentes. Como isso nunca é possível, ele prefere mandar os requisitos por escrito. O analista também ficaria satisfeito com isso, se ele não soubesse que nada substitui o contato cara a cara. Enfrentar o chato do Azevedo é inevitável.

Ilustríssimo analista: acalente-se. Todo ofício tem seus ossos. E toda empresa tem seus azevedos. Evite o confronto porque ele só será resolvido em outra instância. Ou seja, *nunca* discorde do Azevedo. Mas também não precisa baixar a cabeça para ele. Registre com capricho os requisitos. Não pule nenhuma etapa da cerimônia que o Azevedo eventualmente exigir. E torça para que esses encontros sejam breves.

Dunga

DungaMuitos analistas gostariam que o usuário Dunga fosse aquele amiguinho da Branca de Neve – quietinho e muito bonzinho. Não é. Dunga é um ranheta – vive zangado e enfesado. Mas é diferente do Azevedo. Dunga é paranóico, tem mania de perseguição. Acha que todo mundo quer derrubá-lo (o que nem sempre é mentira). Mas Dunga é muito importante para a empresa. Como mostra resultados, não será fácil tirá-lo de lá. E Dunga sempre tem muitos requisitos para apresentar.

Requisitos do tipo “desconfiado”. Dunga costuma pedir um monte de coisa que só sua paranóia justifica: dezenas de senhas, centenas de relatórios. E lê nas entrelinhas de cada pergunta do analista alguma crítica ou complô. Dunga não tem paciência nenhuma. Nem os modos educados do Azevedo. Dunga esbraveja e, em situações extremas, usa até palavras que não podem ser publicadas neste espaço. Dunga mete medo. Em seus adversários e, infelizmente…

… nos tristes analistas: que ouvem desaforos que não merecem. É muito importante manter a calma e a compostura. Faça o Dunga entender que você, prezado analista, é apenas o mensageiro. E está ali só para entender as necessidades dele. Mas não tente ganhar o raivoso com elogios ou mimos. O paranóico verá indícios de conspiração até nisso. Demonstre isenção, imparcialidade. Mas sinta-se a vontade para interromper uma entrevista toda vez que o Dunga passar dos limites. Afinal, ninguém merece chilique de gente mal educada, né?

Outras Figurinhas

O espaço é curto e o elenco de estereotipinhos é quase infinito. Listo abaixo outras figurinhas relativamente comuns que, dependendo do projeto, podem ser tão ou mais perigosas que os colegas apresentados acima:

  • Mikaela: usuária um tanto lenta e sem um pingo de autonomia. Seu chefe, sem tempo para nada, sempre a joga nessa enrascada: passar os requisitos para o chato do analista. O problema é que ela não sabe nada e decide menos ainda. Analistas: peguem o chefe no corredor ou elevador. Rende mais.
  • Maikol: usuário que não acerta uma! 90% de seus requisitos são falsos. Os outros 10% não têm valor nenhum. Não é má vontade, pelo contrário: é excesso de vontade. E muita falta de conhecimento. Analistas: confirmem de alguma forma os pedidos do Maikol antes de passá-los adiante. Mas tentem não queimar o cara, ok? Ele é gente fina.
  • Maike: é um super-usuário, curioso e fuçador que nem te conto. É pior que a Glória na hora de propor soluções, porque ele realmente acha que sabe tudo sobre .Net, Java, SQL e o ângulo correto para colocação da rebimboca da parafuseta. Maike é um destruidor de soluções e um martírio para analistas de negócios. Analista: coloque seu melhor técnico para baixar a bola desse cara. Senão você está perdido.
  • Mikey: é o engraçadinho da turma, faz piada com tudo e todos. Requisito-piada? Pois é, existe. E é sempre de mau gosto. Mas esses caras têm sua utilidade quando um workshop de requisitos está carrancudo demais. Mas é bom não dar muita trela. Senão eles roubam a festa (e o seu precioso tempo).
  • Mixel: é uma figura, um fenômeno. Excelente funcionário e amigo de todo mundo. O problema é que ele vive se metendo em confusões. Em projetos, suas trapalhadas aparecem mais aos 45 do segundo tempo, quando apresentado para uma solução: “Nossa, eu pensei que não tivesse nada disso. Eu queria outra coisa!”

.:.

Observação: Os usuários serão vingados! Qualquer dia publico “Estereotipinhos (do outro lado)”. Garanto que eles são piores que o pior usuário que conhecemos.