Ao comentar a impossibilidade do analista de negócios perfeito sugeri que as organizações tentem montar times multidisciplinares. Elas devem tentar equilibrar conhecimentos e habilidades. Este artigo avança um pouco mais no tema, apresentando uma sugestão para a formação de duplas de analistas. O trabalho em duplas não possibilita apenas a cobertura mais ampla dos conhecimentos necessários para uma boa comunicação com os usuários e outras partes interessadas. Ele também viabiliza a distribuição de responsabilidades de forma a tornar a atuação dos analistas mais ágil e eficaz. E talvez seja esta a principal justificativa para seu uso.

O diagrama ao lado mostra que nossa empresa modelo tem um time de Análise de Negócios formado por nove profissionais. Cinco são formados em TI (lado esquerdo), o restante em alguma área relacionada a negócios (Administração, Contabilidade, Marketing, Economia etc).

A metade superior indica que cinco analistas apresentam maior facilidade em atividades que envolvam a interação com pessoas. A parte de baixo mostra quatro AN’s hábeis em modelagem de negócios, estruturação de requisitos, especificação de casos de uso e tarefas afins.

O artigo anterior frisou a impossibilidade de um analista de negócios perfeito. Isso não pode servir como justificativa para o profissional estacionar. Todo AN deveria buscar o centro da matriz (quadrado pontilhado), que indica a equalização ideal de conhecimentos e habilidades. Repare que os profissionais mais experientes da empresa modelo, Maria e Joana, estão próximas do perfil ideal. Mesmo assim, Maria conhece mais sobre negócios e tem mais habilidades sociais enquanto a Joana saca mais sobre TI e é mais habilidosa em atividades técnicas.

Formam as duas o par ideal? Sim, mas a empresa deveria evitar esta composição se costuma ter mais de um projeto em andamento. Pelo porte do time podemos concluir que a empresa modelo tem vários projetos simultâneos. Quais seriam, então, as duplas ideais?

Maria é o par ideal do Tonho ou do Tico. Eles são iniciantes e podem aprender muito com ela. Por outro lado, já apresentam algumas habilidades técnicas, além de serem formados (ou estarem se formando) em TI – fatores que complementam o perfil de Maria, garantindo equilíbrio para a dupla. Seguindo a mesma lógica vemos que Joana tem dois candidatos a par ideal: Zé e Mané. Na outra diagonal temos o solitário João podendo se unir à Rita ou ao Teco. Preciso dizer que o próximo analista a ser contratado pela empresa modelo deve ocupar a mesma célula do João? Óbvio, não?

A sugestão – a matriz para formação de duplas – parece mecânica, fria e simples demais? Não se deixe enganar. As duplas, para funcionar bem, precisam de afinidade e entrosamento. Coisa que só o tempo garante. Um gerente não deveria dar uma de ‘cupido-bidu’, forçando casamentos. Os AN’s, particularmente os mais experientes, saberão buscar conhecimentos e habilidades que os completem. Ao permitir a auto-organização, a montagem orgânica e natural de pares, a empresa estará de certa forma garantindo e acelerando o entrosamento. Maria e Joana, se forem ‘sêniores’ de fato, saberão que terão mais valor para a organização se trabalharem com os colegas menos experientes. Sabem que só assim o aprendizado – a troca de conhecimentos e habilidades – se dará de maneira homogênea e eficaz.

Um Caso de Uso das Duplas

O departamento de marketing da nossa empresa modelo lançou um projeto para melhoria do site. Gostaria de incluir funcionalidades que aproximassem aquele canal do que se convencionou chamar de Web 2.0. Um blog, integração com Twitter, Flickr, Youtube e outras coisas ‘da moda’. Pretendem que cada produto tenha uma página especial, um clipe no Youtube e canais de interação direta com os responsáveis por ele. Enfim, querem que o site seja menos institucional e mais vendedor – mais atencioso com clientes e prospects (termo deles).

Maria anda às voltas com uma atualização do ERP. De qualquer maneira, ela também não esteve envolvida no desenvolvimento das versões anteriores do site. Internet, em outras palavras, não é o seu forte. Mané, de todos do lado direito da matriz, é o mais indicado. Porque ele conhece a evolução do site da empresa desde os tempos em que insistiram em uma home horrorosa 100% escrita em Flash.

Joana deve estar disponível em uma semana. Mas este projeto (ainda) não é prioritário. Se depender da gerência (e depende), ela deve ajudar Maria na atualização do ERP. Sobraram Tonho e Tico. Tico, apesar de mais novo na empresa, é super entusiasmado com esse papo de Web 2.0. E já trabalhou com o Mané em outro projetinho. Pronto: Mané e Tico formarão a dupla de AN’s deste projeto.

Mané e Tico sabem que seus perfis atuais determinam as principais responsabilidades de cada um. Mané conduzirá as entrevistas, workshops de requisitos e outros eventos de socialização. Ele é ‘bom de papo’, feliz em negociações e na resolução de conflitos. Caberá a ele a elaboração da pauta de cada encontro e entrevista.

Tico está ficando bom em modelagem de negócios. Entendeu rapidamente o valor do grande retrato “2km x 2cm” que ele desenvolve logo no início dos projetos. Mas o que Maria, Joana e Mané mais valorizam no Tico é sua facilidade para estruturar requisitos e especificar casos de uso. Quase sempre ele detecta de primeira inconsistências e conflitos entre requisitos. Também se posiciona bem perante os usuários na hora de colocar uma dúvida ou apresentar algum problema.

O valor de uma dupla não pode ser avaliado apenas no contexto de um projeto. É de suma importância que eles estejam aprendendo juntos, trocando experiências. Tico aprenderá ao prestar atenção na forma como Mané conduz entrevistas e sessões JAD. Mané, por sua vez, vai ler e analisar todos os modelos e especificações elaboradas pelo Tico. Também deve aprender e melhorar suas habilidades técnicas. Mas, o mais importante: eles conversam o tempo todo. Tête-à-Tête. Não há troca mais eficaz.

A empresa deveria orientar, da forma menos intrusiva possível, o rodízio entre pares. Porque a estagnação da troca é inevitável em determinado ponto. Uma dupla pode ficar acomodada em relação ao seu aprendizado. O ideal é que uma dupla nunca trabalhe em mais do que três ou quatro projetos consecutivos.

Também é importante notar que um time de analistas de negócios é uma potencial Comunidade de Prática. Se a empresa não obstruir (ocupando de forma doentia as 44,4 horas da jornada semanal de trabalho), a tendência é que eles troquem experiências, choramingos e fofocas. Se a empresa fomentar a Comunidade de Prática (cedendo local, duas horas semanais e uma garrafa de café) ganhará um time ainda mais entrosado e equilibrado em seus conhecimentos e habilidades. Este papo sobre Comunidades de Prática merecerá mais tempo e espaço em um futuro próximo.

Relendo o texto acima percebi que faltou uma coisinha. Uma mensagem que eu gostaria que todos AN’s levassem para seus gerentes e coordenadores. É simples: “É impossível trabalhar sozinho. E não me venha com jeitinho. Se queres a Análise de Negócios muito bem feita, Então me permita formar uma dupla perfeita.” Juro que a rima (paupérrima) não foi intencional. Você acredita se quiser. Inté!

A fotografia da dupla de Woodys que ilustra este artigo é do Aldo Cavini Benedetti e foi obtida no Flickr.