Outro Clássico com “C” maiúsculo que há tempos pede entrada em nossa biblioteca. Escrito por Tom DeMarco e Timothy Lister, mereceu duas edições, ambas publicadas pela Dorset House. A primeira em 1987. A segunda, com oito capítulos adicionais, em 1999. Salvo engano, apenas a primeira mereceu uma versão em português do Brasil, pela Makron Books em 1990. Nem preciso dizer que encontra-se esgotada (mas disponível nos bons sebos da vida, por enquanto. A versão original em inglês sempre está disponível). É impressão minha ou naqueles tempos éramos melhor servidos por nossas editoras? Deixa pra lá, o tema aqui é outro.

Se nosso mundo, particularmente as organizações de TI, tivesse evoluído nos últimos vinte e poucos anos, este livro estaria defasado. O reli para elaborar esta entrada. E fiquei assustado com sua atualidade. Mesmo o conteúdo original de 1987, suas críticas e sugestões, permanece inteiramente válido. Até quando a dupla de autores se mete a falar sobre a ausência de janelas e o aspecto opressor e barulhento de muitas salas que acomodam desenvolvedores.

O livro é estruturado em seis partes: Gerenciando o Recurso Humano¹; O Ambiente do Escritório; As Pessoas Certas; Fomentando Equipes Produtivas; Deveria ser Divertido o Trabalho aqui; e Filho de Peopleware (que contém os oito novos capítulos). A escrita é simples, sem rodeios. Contundente em diversos momentos porque a mensagem é séria e os autores são sinceros. Como eles colocam no prefácio, Peopleware é uma coleção de histórias. “Cada princípio apresentado tem a sua história”. Boas histórias, oriundas de mais de 50 anos de experiência (somadas as de Tom e Timothy na época da publicação).

Os autores dialogam com o Gerente. Mas o livro não é direcionado apenas para eles. Todos que trabalham com TI, particularmente os desenvolvedores, têm muito a aprender e, por que não, se divertir com o texto. Compilei abaixo alguns dos diversos melhores momentos (traduzidos livremente da segunda edição) só para deixá-la(o) curiosa(o):

Se você se achar concentrado nas questões tecnológicas ao invés das sociológicas, você estará agindo como aquele personagem de vaudeville, que perde a chave em uma rua escura mas opta por procurá-la na via adjacente porque, como ele explica, “a luz é melhor aqui”.

A principal razão pela qual nos concentramos nas questões tecnológicas ao invés das humanas é porque elas são mais fáceis.

Nosso negócio é muito mais sociológico do que tecnológico, é mais dependente de nossas habilidades para conversar com outras pessoas do que das habilidades para conversar com máquinas.

Um ambiente que não tolera erros torna as pessoas mais defensivas.

Muitos gerentes agem como se as pessoas fossem peças intercambiáveis. Agem como se existisse uma mágica Loja de Pessoas onde eles podem ordenar: “Me mandem um novo Mark Zuckerberg, menos arrogante desta vez, por favor!”
N.T. Mark só tinha três aninhos quando essas linhas foram escritas. Claro que não é ele o citado na obra original. Mas não é que inventaram mesmo as mágicas Lojas de Pessoas? Teve gente que ficou milionária com isso, mesmo sem nunca contar com Zuckerbergs, Torvalds e Goslings em seus estoques. 

Estatísticas sobre leitura² são particularmente desencorajadoras: desenvolvedores, por exemplo, não possuem um único livro da área e nunca leram um. Fato horripilante para qualquer pessoa preocupada com a qualidade do trabalho neste campo; para caras que, como nós, escrevem livros, é trágico.

Produtividade deve ser definida como o Benefício dividido pelo Custo.³

Um centavo poupado no ambiente de trabalho é centavo ganho, diz a lógica. Aqueles que cometem tal julgamento são culpados por fazerem uma análise custo/benefício sem se beneficiar de um estudo do Benefício.
N.T. Mantive o jogo original com a palavra benefício. Não deixe de ler a nota 3 abaixo.

Pessoas sob pressão não trabalham melhor; elas apenas trabalham mais rápido.

A qualidade, muito além daquela requerida pelo usuário final, é um meio para a alta produtividade.
N.T. Neste trecho os autores também mostram a relação direta entre qualidade e autoestima. Ninguém se motiva com software escrito nas cochas.

Qualidade é grátis, mas apenas para aqueles dispostos a pagar muito por ela.

Em um ambiente de trabalho saudável, as razões pelas quais as pessoas não performam são falta de competência, falta de confiança ou falta de afinidade com os outros membros do time e com os objetivos do projeto. Elas não precisam de mais pressão para trabalhar. Precisam de uma nova posição, possivelmente em outra empresa.

A função do gerente não é fazer as pessoas trabalhar, mas sim tornar possível que elas trabalhem.

Existem milhões de maneiras de perder um dia de trabalho. E nenhuma para trazê-lo de volta.

Se sua empresa tem uma planilha para controle de horas trabalhadas, é possível que ela aponte o tempo de corpo presente, não de cérebro presente.
N.T. Então a dupla se preocupava muito com poluição sonora e telefones. Mal sabiam que a situação se degradaria a níveis impressionantes depois dos IM’s, redes sociais, smartphones e afins. A multitarefa é um mito que custa caro aos índices de produtividade de um desenvolvedor. Mas, definitivamente, tão ou mais equivocadas estão aquelas organizações que proíbem o uso das facilidades da vida moderna. 

Se sua empresa anda muito preocupada com um padrão formal de vestimenta, brocotó. Sinal de que ela está nos estágios finais da morte cerebral. Não há remédio. Procure outro emprego.

A supervisão visual é uma piada para desenvolvedores. Supervisão visual é para prisioneiros.

Pessoas que escrevem metodologias são espertas. Aquelas que as seguem podem ser idiotas. Elas não precisam ligar seus cérebros. Basta que comecem da página um e sigam pela Yellow Brick Road, como obedientes macaquinhos, até o final do projeto. A metodologia toma todas as decisões. As pessoas, nenhuma.

Documentação volumosa é parte do problema, não da solução.
N.T. Os autores citam, em outro trecho, pesquisa que mostra que 30% do trabalho de desenvolvimento é “papelório”, burocracia. Quanto os números mudaram nos últimos 20 anos?

Acreditar que os trabalhadores irão aceitar os objetivos corporativos de forma automática é sinal de ingênuo otimismo dos gerentes.

Você não pode se proteger da incompetência de seu pessoal. Se eles não estão a altura do trabalho a ser executado, você falhará.
N.T. Na tradução rápida encerrei com “você falhou”. Afinal, você os contratou. Mas mantive o tempo do verbo original, menos pessimista.

O cara gastou R$150 em um pôster bonitão onde se lê: “Qualidade é nosso trabalho número 1!”. Ah, tá falando sério? Caramba, juro que a gente pensava que era o trabalho número 21 ou 117 antes desse pôster ser pendurado ali na parede. Pensávamos que talvez estivesse entre “reduzir a cera dos ouvidos” e “fazer coleta seletiva do lixo” na escala de valores corporativos.

Aqueles caras maravilhosos que nos brindaram com a Metodologia com “M” maiúsculo não ficaram parados. Sua última proposta, o Movimento para Melhoria de Processos, é nova, brilhante, melhor, esfuziante e muito mais ambiciosa… Desta vez, eles levaram o “tamanho único” ao extremo. Seu modelo não atenderá apenas sua empresa, mas o mundo todo.
N.T. Pensou em CMMI, MPS.br e que tais? Não? Saca só:

Se você é um CMM nível 2 ou superior, lembre-se: os projetos que mais valem a pena são aqueles que o moverão para baixo em sua escala de maturidade.

Você nunca melhora se nunca muda.

O aprendizado é limitado pela capacidade de uma organização em manter seu pessoal.

Deve estar enterrada em algum lugar de nossa memória ancestral a noção de que o trabalho deve ser penoso. Se você sente prazer em algo, não deve ser trabalho. Deve ser pecado. E você não deveria estar recebendo por isso. Encontre outra coisa para fazer, algo que realmente se pareça com trabalho. Assim você poderá se sentir entediado, cansado e desiludido como todo mundo.

Notas

  1.  Será que, se fosse escrito hoje, o livro ainda falaria de “Recursos Humanos”? Creio que sim, apesar da ditadura de uma escola neozenbudista que grita aos quatro ventos “não sou recurso” enquanto, no frio da teoria, segue sendo. Toda vez que é contratado para executar um trabalho.
  2. Dias atrás foi publicada uma pesquisa que diz que o brasileiro lê, em média, 4,1 livros por ano. Se tirarmos os livros escolares (obrigatórios?), o número cai para 1,1. Qual será a média de nossos desenvolvedores, analistas e gerentes?
  3. Já tem um tempinho que toco nesse assunto no {FAN}. Só não me lembrava que era inspirado pelo Peopleware. Costumo dizer que o termo “análise custo X benefício” (também apresentado assim: custo-benefício) carrega dois grandes equívocos. O primeiro é matemático. Faça as contas. Acho que faz mais sentido uma divisão, tendo o custo como denominador. Ah, não pretendiam que o termo funcionasse como uma operação? Então compute o terceiro erro. Porque o segundo é outro, de ordem psicológica. Colocando o benefício antes do custo sinalizamos que ele deve merecer mais atenção. A ordem usual (custo X benefício) soa mesquinha. E gera comportamentos mesquinhos. Como daquele cliente que pega sua bela proposta e vai direto para a última página conferir o preço e lamentar: “Isso tudo?”