Alinhar nosso jeito de pensar com a forma como o mundo realmente funciona. Essa é a motivação pra gente aprender a Pensar Sistemicamente. Mas quem disse que nossos pensamentos não batem com a realidade? Por que eles estariam desalinhados? E o que pode haver de tão diferente nesse tal Pensamento Sistêmico?

Antigas Lentes Desfocadas

Quebre o problema em partes menores, gerenciáveis e mais fáceis de resolver.
Ache a causa desse (d)efeito. No caminho, aponte possíveis culpados.
Deixe o processo bem azeitado, funcionando como um relógio suíço.

Reducionismo, determinismo e mecanicismo – são os nomes dos três comandos acima, respectivamente. Representam uma forma de enxergar o mundo que vem de longe: da Renascença, de Descartes e Newton. São produto de uma época gloriosa, na qual o homem aumentou sua autonomia criando máquinas e mostrando a força do intelecto.

Essa Era das Máquinas, que nos tirou da lavoura arcaica para nos jogar em plantações de arranha-céus, prescreveu – está vencida. Mas ainda predomina. Vide os currículos escolares e as disciplinas que não se comunicam. Veja os processos de planejamento que seguem lógicas lineares e ignoram o acaso. Lembre-se de quantas vezes viu uma máquina sendo usada como metáfora para algum sistema sociocultural (negócio, escola, time de futebol). Nossos problemas gritam por um enfoque diferente, por outro modo de pensar.

Sempre que esse papo é colocado alguém acha que está sendo proposto o esquecimento de tudo o que aprendemos até agora. Triste engano. Fruto dessa forma de ver o mundo que privilegia o “ou” em detrimento do “e”. A adoção do Pensamento Sistêmico não requer o abandono da análise (da quebra do todo em partes). Pelo contrário. Seria tão ingênuo quanto sugerir a superioridade do lado direito do cérebro. Você precisa do cérebro inteiro!

Quatro Famílias

Existem quatro famílias de sistemas¹. Cada uma pede por um modelo pra chamar de seu:

Família Partes Todo Exemplo
Determinística Sem Propósito Sem Propósito Máquinas
Viva Sem Propósito Com Propósito Você
Social Com Propósito Com Propósito Negócio
Ecológica Com Propósito Sem Propósito Mundo

Sistemas determinísticos não têm vontade própria, missão ou propósito (ainda²). Eles têm funções. A batedeira, o carro e o sistema de gestão de relacionamentos são exemplos. Nenhuma de suas partes nem o todo têm propósito ou condições de fazer escolhas.

O todo de um sistema vivo tem propósito – nem que seja simplesmente sobreviver. Há quem exclua as pobres jacas e demais plantas dessa família. Eu não faria isso³. Por fim, preste atenção: suas partes (esôfago, fígado) não têm propósito. Você sim.

Quando você junta dois ou mais sistemas vivos obtém outro tipo de sistema, o social. É a única família em que tanto as partes quanto o todo têm propósito e fazem escolhas. Aqui a porca torce o rabo. Leia-se: a complexidade é inevitável. Os conflitos também.

Por fim, mas não menos importante, temos a natureza e nossa sofrida Terra. Nós temos propósitos e fazemos escolhas. Ela não. Mas sabe dar o troco.

Quando utilizamos o modelo de uma família (ex: determinística) para analisar e melhorar um sistema de outra (ex: social) começamos mal. Se e quando terminarmos, o resultado será sofrível – repleto de novos problemas a resolver. Quantas vezes vimos esse filme?

Uma Linguagem

Se tudo é sistema, deve existir uma linguagem universal, não? Mesmo que tenhamos modelos específicos para cada família, deve existir um denominador comum – um metamodelo (o modelo dos modelos). A busca por ele vem desde a Grécia antiga e ganha impulso decisivo nos anos 1950. É quando começam a brotar as ciências de Sistemas, Cibernética, Teoria Geral dos Sistemas, Dinâmica de Sistemas, Teoria da Complexidade etc.

Esse universo de escolas e propostas é rico, diverso, promissor e… ainda confuso. Dá um desconto. As certezas da física e química são seculares. Tratamos aqui de uma ciência ainda em sua infância. E isso deveria nos estimular.

A última proposta de metamodelo é muito nova. O DSRP (Distinções Sistemas Relacionamentos Perspectivas) foi apresentado no ano passado, no livro Systems Thinking Made Simple, de Derek e Laura Cabrera (Odyssean Press, 2015). É uma proposta inclusiva (“e” ao invés de “ou”) e com boas chances de pagar a promessa feita no título: tornar o Pensamento Sistêmico simples. O DSRP é a espinha dorsal da OPS! (Oficina de Pensamento Sistêmico). Mais sobre ele no próximo artigo. Inté!

Notas

  1. Adaptado de Ackoff – Ackoff’s Best
    Russell L. Ackoff (Wiley, 1999).
  2. O temor de muita gente é que estejamos próximos de dotar alguns sistemas de propósito e da capacidade de fazer escolhas. A isso chamam Inteligência Artificial. Uma nova família de sistemas nasceria. Deveria vir com um botão de pânico. E não deveria ser tão bela e sedutora como a protagonista de Ex_Machina.
  3. O próprio Ackoff, no livro acima, não classifica a jaca e outros vegetais como um sistema vivo (animado). Discordo. Se não tivessem propósito (sobreviver), as plantas não teriam chegado até aqui; Se não fizessem escolhas, não teriam evoluído.
  4. Thinking é o título da foto.
    Postcards from Inside a compartilhou no flickr.