Ciberespaço. Cyberpunks. Ciberterrorismo. Cibercafé. Cyber Infidelity. Ciberabacaxis.
O prefixo é usado e abusado. Conecta qualquer coisa com o mundo digital. Virtualiza, cognifica¹ e, não raro, mistifica algo. Imagens de androides, supercomputadores e futuros frios e feios são normalmente vinculadas à Cibernética. Ela merece tudo isso? De onde veio? E por que é tão relevante quanto mal compreendida?
ci.ber.né.ti.ca
s.f. ciência que estuda comparativamente os sistemas de comunicação, controle e regulação nos seres vivos e nas máquinas. (Houaiss)
A definição do Houaiss é quase uma tradução direta da certidão de nascimento desta ciência interdisciplinar. Em 1948, Norbert Wiener publicou Cibernética: Ou Controle e Comunicação na Máquina e no Animal. Adiantou no título o aspecto transgressor da proposta – abraça tudo: exatas, humanas e biológicas. Sabe-se lá por que, o “ciber” ou “cyber” grudou apenas no que é artificial, frio, calculista e sistemático.
A Cibernética é irmã do Pensamento Sistêmico. Nasceram na mesma época e trocaram fidbeques mil. Cresceram juntos buscando propósitos semelhantes. Ela também tem parentesco meio estranho com a Inteligência Artificial. John McCarthy disse que inventou o termo “Inteligência Artificial” para fugir de qualquer associação com a Cibernética².
Etimologia
Cibernética vem do grego kybernetes que em latim virou gubernator. Governar, dirigir e pilotar são sinônimos. Assim como governança, regulação e controle.
Ganha definições mais poéticas nas mãos de iluministas do século 20³:
“A arte da direção.” – W. Ross Ashby
“A ciência da organização eficaz.” – Stafford Beer
“A ciência e a arte da compreensão.” – Humberto Maturana
“A arte de criar equilíbrio em um mundo de restrições e possibilidades.” – Ernst von Glasersfeld
O duelo ciência X arte fica para outra hora. A Cibernética pode ser ambas. Mas começa ciência e termina ciência. Ambiciosa como poucas porque transcende fronteiras entre a natureza, o homem e a máquina.
Por que agora?
Oras, já que colocamos “ciber” em tudo, é bom saber sobre o que estamos falando. Mas nossa motivação, neste finito, é outra. E tem a ver com as definições românticas acima, particularmente a de Beer: a ciência da organização eficaz.
No artigo anterior foi apresentada a Variedade “em termos cibernéticos”. Um passarinho me cobrou uma definição legal de Cibernética. Taí!
Notas
- Você deve ter reparado, há aqui uma antipatia explícita por anglicismos, neologismos bobocas e chavões. Até que, num belo dia, o chato escriba tropeça numa palavra que berra por uma tradução. COGNIFICAR não existe. Ainda. Mas precisa. Como a gente diz que “coloca inteligência em alguma coisa”? Kevin Kelly, em The Inevitable (Penguim, 2016), aposta que “tudo o que foi eletrificado será cognificado”. Nesse mundo que se propõe a tornar todas as COISAS inteligentes, precisamos urgentemente de um novo verbo. Ou não? Sugestões?
- Citado em Systems Thinkers, de Magnus Ramage e Karen Shipp (Springer, 2009), pág. 28.
- Todas retiradas da Wikipedia, com exceção de uma. Beer colocou arte em suas pinturas e poemas. Organizações viáveis e eficazes são, para ele, uma questão de ciência.
- Cyber, a imagem de hoje, foi compartilhada por Matt Foster no flickr.