“Se quiser que Deus dê umas boas gargalhadas, conte a Ele os seus planos.”
Woody Allen

1987, terceiro ano do curso técnico em Processamento de Dados. O professor de informática divide a sala em duas e me delega todas as aulas práticas. No ano seguinte, já formado, eu tinha uma sala só minha, em outra escola. Curso noturno, com muita gente boa tão cansada quanto eu. Eu acumulava exército (tiro de guerra: 6h ~ 8h30), um trampo como programador numa empresa japonesa (9h ~ 17h) e o curso noturno. Aos domingos, pra descansar, apresentava o Clube do Rock numa rádio local.

1993, o Brasil, como na década anterior, atravessava uma crise feia. Assumi a área de informática da Cooperativa Regional do Sul de Minas. Gerente? Que nada. O Atílio era digitador. Eu fazia todo o resto, de instalação de redes até análise e programação. E dava manutenção num legado Cobol mal escrito pra chuchu. DevOps de um homem só. De noite ia para a escola cuidar de outra turma de Processamento de Dados.

1998, o país estava quebrado de novo. E eu precisava ganhar mais. Embarquei para Sampa, onde o salário médio era de três a quatro vezes maior do que no Sul de Minas. Dei alguns cursos de VB (que vergonha) e de Lógica de Programação (que orgulho) até arrumar um trampo como Gerente de Projetos. Foi acidente, eu era programador. Mas aquilo mudou tudo.

2004, com um punhado de bons e maus projetos nas costas, lanço este finito. Ele nasceu para ancorar minha primeira pesquisa digna do nome: Aprendizado InterProjetos. Trabalho que foi selecionado para um evento do PMI. No ano anterior já havia palestrado no mesmo evento, falando sobre Engenharia de Requerimentos (sic¹).

2005, encerra-se o ciclo paulistano com três anos de atraso. Tem início a “carreira solo”. Utilizando o modelo Lucro-Troco-Truco, decidi que serviços de consultoria ocupariam 70% de meu tempo (lucro). Cursos e palestras seriam o troco (20%). Como disse um colega-consultor-argentino, “nosso negócio é inviável”. E é mesmo. Em consultorias, para cada pequena vitória há um sem número de dissabores.

2007, o FAN é lançado. Deveria ser troco – um chamariz para serviços mais polpudos. Mas aí vieram demandas da Oi, Net, Embraer, JBS Friboi, BrasilPrev, SoftPlan, Mercado Eletrônico, Linx, Gauge, Unisys e Bradesco, dentre outras. Caramba, de um porão em Varginha eu estava atendendo uma bela parcela do PIB tupiniquim! E em algumas turmas abertas cheguei a receber mais de 70 pessoas. O troco tinha virado lucro.

2009, o FAN é incorporado a um curso de extensão da Federal de São Carlos. Alguns alunos disseram que foi “a melhor aula que já tiveram”. Um deles era mineiro, de Guaxupé, e desconfiei de nosso tradicional bairrismo. Estimulei, algum tempo depois, a adoção do Scrum para guiar todo o curso. Assim foi feito. Eu já fazia experiências similares nos meus próprios cursos.

Aliás, foi nessa época que passei a me perguntar: Como ensinar? Aliás, como facilitar a  aprendizagem? Posso tornar o FAN e outras ofertas mais eficazes? Por que algumas turmas fluem muito bem e outras tropeçam? Não basta dominar o assunto. Nem ter uma didática aceitável. Passei a incorporar ensinamentos de Mel Silberman, Harold Stolovitch e outros². O Design Instrucional virou uma necessidade.

2013, a complexidade crescente e a bagunça nas ruas – prenúncio de uma nova crise –  me levaram ao desenho do flit. Processo sem pressa. Afinal, era o primeiro truco³ em quase dez anos. O flit pedia por uma estrutura diferente – por algo que chamo Unidade Básica de Aprendizagem. Foi assim que descobri o Learning Object e, principalmente, o Understanding by Design®  (Design Reverso). O flit também pedia por um processo. E eu ganhei uma boa desculpa para finalmente adotar as ideias do húngaro Mihaly Csikszentmihalyi, principalmente seu Fluxo. Ele combina bem com o Scrum e outras propostas legais.

2016, o flit não vingou (ainda). Pindorama, que surpresa, vive outra crise homérica. E uma ficha desaba: por que não vender a alma? Não a minha, mas a alma do flit. Ela é um sistema de aprendizagem completo. Por que não torná-la um produto por si só?

Assim nasce a OPA! Oficina de Projetos de Aprendizagem. Devo confessar, temi que o novo produto parecesse um estranho no ninho finito. Até relembrar essa história toda e finalmente aceitar que, acidentalmente, estou virando um professor.

Notas

  1. Pois é, eu ainda insistia no termo “Requerimentos”. Pouco depois, através do saudoso grupo CMM-br, aprendi que “Requisitos” era bem melhor.
  2. A bibliografia é imensa. Vou citar dois estopins: Active Training, de Mel Silberman (Wiley, 2015. Está na 4ª edição, comemorando aniversário de 25 anos!); e Telling Ain’t Training, de Harold Stolovitch e Erica Keeps (ASTD, 2011).
  3. Lucro-Troco-Truco é a versão tropicalizada do modelo 70-20-10 que, diz a lenda, guia o trabalho dos colaboradores da Google.
  4. Teaching é o título do rabisco acima. Executado e compartilhado por Daniel Friedman via flickr.