Lembre-se de uma aula muito boa. O que a tornou inesquecível? Um professor atencioso e conhecedor, com certeza. A turma, interessada e entrosada, ajudou. Assim como a sala, arejada em todos os sentidos. Falta um último ingrediente. Qual?

Oras, a aula propriamente dita. É possível que você nem tivesse interesse pelo tema. Mas a forma como ele foi exposto te pegou. É fácil dar todo o crédito da experiência ao talento do mestre, sua didática e paciência. Não vamos desmerecer isso. Mas tente se lembrar da organização do conteúdo. Nosso cérebro tem uma quedinha por estrutura, por hierarquia. Memorizamos melhor as ideias bem elaboradas¹. Posso apostar: a aula que te agradou era bem estruturada e fluiu de maneira lógica e natural. Você cresceu com ela. Mal viu o tempo passar. E ficou com um gostinho de “quero mais”. Como criar experiências assim?

“Domine a música. Domine o instrumento.
Agora, esqueça essa baboseira toda e apenas toque.”

Charlie “Bird” Parker

Bird ajudou a reinventar o jazz e ensinou muita gente. Não há registro de que tenha estudado aikidô ou qualquer outra arte marcial japonesa. Mas sua dica fundamental, citada acima, parece uma versão bebop do ShuHaRi. O ShuHaRi é um conceito, um modelo que descreve estágios de aprendizagem². Voltando à questão acima: para criar uma boa experiência, começamos pela adoção de um modelo de aprendizagem. O nosso é um jazz de kimono:

Shu: abrace, cuide do aprendiz. Apresente os fundamentos – a teoria e os movimentos básicos. E cobre disciplina e respeito pelas fronteiras estabelecidas. Que o aluno “domine a música”.

Ha: solte e incentive a prática. Entenda que o aprendiz vai errar e quebrar a cara inúmeras vezes. É parte indissociável da aprendizagem eficaz. Mas entenda e aponte os erros – o fidbeque é fundamental. O aluno precisa “dominar o instrumento” (ferramentas e métodos). A indisciplina, a quebra de regras, atesta a evolução.

Ri: sorria, você acaba de perder um aluno. Deixe-o voar. Ele não é mais um aprendiz, é seu colega. Como você, “esqueceu essa baboseira toda e agora apenas toca”. Aliás, ele imagina, cria e inova.

Veja só que curioso: os três últimos verbos do parágrafo anterior sugerem o caminho inverso da diagonal ShuHaRi. Em fluxo desenhado por Ken Robinson em Libertando o Poder Criativo (HSM, 2012). Se parece também com o Funil do Conhecimento, conceito apresentado por Roger Martin em Design de Negócios (Campus, 2010). Neste caso, os termos são: Palpites, Heurística e Algoritmo. O que isso significa?

Pode até ser que alguém atinja um ponto notável de aprendizagem e não queira retribuir. Vai ficar imaginando solos a la Coltrane e tocando escondidinho, para o próprio deleite, num sótão qualquer. Desconfio que a grande maioria das pessoas queira outro destino para suas ideias. São elas que vão imaginar cenários, criar soluções e botar pra rodar ou quebrar. O prazer em jogo é dobrado: primeiro, ao aprender; depois, ao ver sua criação espalhada por aí.

E assim, falando de prazer, reencontramos o ponto do artigo anterior: o FLUXO. A diagonal em mão dupla o representa. Chega a hora de um precioso alerta: a diagonal não é uma linha reta. Esse raciocínio linear, faseado, trava e detona os modelos de ensino tradicionais. A melhor imagem para o FLUXO é uma espiral. Cada giro representa valiosos ciclos de fidbeque. Hora de falar sobre o Scrum.

Scrum

Antes de ser um “framework para o gerenciamento de projetos ágeis”, o Scrum é um modelo de aprendizagem. Foi por azar, muito azar, que ele foi parar em nossas mãos, profissionais de projetos e de TI. Ficou bitolado. Quem conhece o trabalho de seus pais biológicos, Takeuchi e Nonaka, vai entender o que estou falando. Eles são especialistas em Gestão do Conhecimento. Quando registraram o Scrum³, no distante 1986, pretendiam mostrar como empresas japonesas aprendiam melhor que as ocidentais. Não aprendiam mais e nem mais rápido: aprendiam melhor! É uma questão de eficácia, muito mais do que de eficiência. É mais qualitativa do que quantitativa. Parafraseando Ackoff de novo: “é melhor fazer a coisa certa do jeito errado do que fazer a coisa errada do jeito certo”. Melhor ainda é fazer a coisa certa de maneira eficiente. O Scrum tem um laço de fidbeque para cada questão.

São dois  compromissos. O primeiro é a Revisão – mira a coisa certa, a eficácia. Os envolvidos avaliam o resultado de determinado esforço. Em nosso caso, uma aula, por exemplo. O aluno compreendeu de fato o que foi ensinado? Aprendeu a fazer?

O segundo compromisso é a Retrospectiva – uma avaliação do processo, da eficiência. Por exemplo: em que o professor pode melhorar? Quais atitudes da turma devemos incentivar e quais devem ser evitadas? E por aí vai.

Os dois compromissos ocorrem de forma consecutiva, ao término de um ciclo (Sprint na terminologia original). No nosso caso, o ciclo pode significar um tópico, uma aula ou módulo. Quanto menor, melhor.

Quem conhece o Scrum pode estar se perguntando: peraí, como os papéis são distribuídos numa sala de aula? Quem é o PO (Product Owner – Dono do Produto)? O instrutor é o mestre – ScrumMaster. O Time é formado pelos alunos. Quem é o Dono? Você arrisca uma resposta?

Na próxima semana concluo a trilogia “Hey! o que você tá esperando para se inscrever na OPA!?” Além de responder a questão acima, vou apresentar o terceiro pilar do modelo de aprendizagem, a Unidade. Ela se baseia, principalmente, no Understanding by Design®. Um modelo bem legal que, em conceito, é semelhante ao TDD (Test-Driven Development).

Notas

  1. Brain Rules, John Medina (Pear Press, 2014).
    A Mente Organizada, Daniel J. Levitin (Objetiva, 2015).
  2. O modelo de aprendizagem (maturidade?) com três estágios vive ressurgindo com outros nomes e quase sempre sem crédito. Douglas Thomas e John Seely Brown, em A New Culture of Learning (Publicação independente, 2011), sugerem três etapas: Hanging Out, Messing Around e Geeking Out. Partiram de um estudo etnográfico sobre a interação de jovens com mídias sociais.
    Harold Stolovitch e Erika Keeps, em Telling Ain’t Training (ASTD, 2011), falam em Teach (Ensine), Prompt (Incentive) e Release (Libere). Como eu disse, variações da mesma sugestão apresentada neste artigo.
  3. The New New Product Development Game é o nome do artigo, publicado na Harvard Business Review em jan-fev/1986, que apresentou o Scrum. Não desconsidero nem desmereço o fato de Jeff Sutherland e Ken Schwaber terem dado uma cara e roupa nova para ele. Mas não me conformo com o desrespeito ao sentido original do Scrum. Por isso tem gente por aí que diz, por exemplo, que Retrospectivas são perda de tempo.
  4. Art Out of the Box 2009: Indiana Quilts é o nome da imagem no topo. Foi compartilhada no flickr pela Biblioteca Pública de Allen County (IN). O rabisco da molecada lembra muito o diagrama do FLUXO. Sincronicidade?