O prefixo “neuro” se espalha como vírus. Como em toda moda, há muito exagero e desinformação. Pseudociências aproveitam seus quinze minutos de fama. Opa! – dois minutos, quando muito. Porque a parte realmente científica da coisa nos ajuda a separar o joio do trigo com mais facilidade. Este artigo compila alguns achados das neurociências. São dicas que devem interessar a todos que querem aprender, ensinar e aprender a ensinar a aprender.Não há, em todo o universo, um sistema mais complexo do que essa massa cinzenta que carregamos pra lá e pra cá, devidamente protegida por uma cabeça dura. O cérebro tem apenas 2% de nosso peso total. Mas torra 20% de toda a energia que consumimos. Um único neurônio, descansando na rede, tem uma voltagem de saída de 70 milivolts. Quase o mesmo que um iPod! Não é por acaso que nunca utilizamos mais do que 2% deles, dos neurônios, simultaneamente. O sistema todo cairia – nós cairíamos, desmaiados. Pense nisso: passar uma hora fazendo o que você faz agora – ler – resulta em 42 calorias queimadas. Se fosse em sala de aula, com você escutando e observando, seriam 65 calorias por hora. Pois é, aprender emagrece!

Melhor dizendo: a atenção emagrece. ATENÇÃO – bem cada vez mais raro. Haveria aqui alguma relação com a epidemia de obesidade? Estou brincando, mas pode haver. Relação com a infobesidade há, com certeza.

Pagando Atenção

Em inglês, é assim que se diz “prestar atenção” – pay attention, pagar!

Neste exato segundo, seus sentidos foram bombardeados por 11 milhões de bits. Sua atenção capturou apenas 40 deles. Sons, cheiros e outros cantos da tela ou da sala não mereceram sua atenção. Muito obrigado por isso. O esforço aqui não vai lhe roubar mais do que cinco minutos. Já gastamos dois. O limite que seu cérebro aguenta vai de 10 a 15 minutos. Então, ele precisa de um refresco. Ou de um choque. E uma nova negociação: a atenção precisa ser renovada.

Imagine o desafio em uma sala de aula: a cada dez minutos renegociar a atenção. Há várias formas de fazê-lo. As menos eficazes envolvem gritos e puxões de orelha. Atividades práticas, interações e emoções surtem melhor efeito. Desde que não se pretenda 100% de atenção durante toda a aula, tenha ela 50 ou 480 minutos. O poeta Leminski anunciou, “distraídos venceremos”. A distração, o devaneio, o sonhar acordado, são necessários. Enquanto instrutores ou facilitadores precisamos dar um tempo para que aquelas informações se organizem.

A Organização do Cérebro

Nossos cérebros gostam de hierarquia e sequências lógicas. Têm uma queda, construída em milênios de evolução, por histórias. Computadores podem mastigar toneladas de dados desconexos. Nós não. A cada nova informação buscamos relações, construímos links entre neurônios. Por isso as metáforas, analogias e exemplos são tão eficazes.

No entanto, se pretendemos que aquilo seja de fato guardado (aprendido e compreendido), outras táticas se fazem necessárias. Nossa memória de trabalho é pequena e efêmera. Guarda de 5 a 9 itens por poucos minutos ou horas. A transposição para a memória de longo prazo demanda repetição, prática e mais repetição. “A repetição é o meio para atingir um fim: transcender a repetição”, nos ensina a neurocientista Suzana Herculano-Houzel¹. Pense em um campo gramado. Os caminhos trilhados com mais frequência ficam demarcados. O mesmo ocorre em nosso cérebro. As sinapses disparadas repetidas vezes se consolidam.

Ops! Não é bem assim. Consolidar não é o melhor verbo. Porque há outra característica bastante curiosa em nossas memórias. As alteramos toda vez que as recuperamos. As lembranças mudam a cada lembrança. Como? Vinculando novas tags, adicionando informações e menosprezando outras. Pense em sua primeira escola. Pronto. Você acaba de mexer nessa lembrança. Provavelmente relacionando-a com o próprio termo lembrança e com o que foi dito neste parágrafo. Vai durar? Quem sabe?

Numa aula, a repetição pela repetição é a coisa mais chata do mundo. Vira decoreba, não aprendizagem de verdade. Precisamos de variedade. De diferentes exercícios e da apresentação daquele conteúdo em diversos formatos. Repetição sem monotonia é a dica. O apelo ao olhar, a última de hoje.

Olhos nos Olhos

A ciência ainda nos deve números mais precisos, mas é certo que algo entre 50% e 85% de nossa capacidade para processar sentidos ocupa-se exclusivamente da visão. Precisamos aproveitar esse potencial. E isso não significa apenas slides bonitinhos. Números e palavras são necessários. Mas são as imagens, gráficos e diagramas que falam de forma mais direta com os nossos cérebros. Também não se trata apenas de exposição. Devemos incentivar os aprendizes a desenhar, de preferência, à mão. Assim ativamos e exercitamos diversas partes da mente. As informações ganham novas referências e interpretações. Por fim, mas não menos importante: a probabilidade de compreensão aumenta consideravelmente.

Gostar de Aprender

Todos nós gostamos de aprender. Como escreveu Daniel Levitin², nosso cérebro recebe “prazerosas doses de dopamina” quando aprende algo. E mais doses quando relaciona aquela aprendizagem com outras lembranças, construindo sentido – organizando e reorganizando tudo. Por isso deveria soar como um oximoro, deveria ser uma exceção a tal da “aula chata”. Porque, biológica e psicologicamente falando, nossos cérebros gostam de aprender. E como gostam.

Notas

  1. Citada na coluna do Tostão, na Folha de São Paulo, em 10/07/16.
  2. Em A Mente Organizada (Objetiva, 2015).
  3. Além do título acima, vários outros me ensinaram o que escrevi acima. E não têm nenhuma culpa se não entendi muito bem. Além dos livros do excelente Daniel J. Levitin (o mais recente é Weaponized Lies – Penguin, 2017), preciso recomendar, para início de conversa: Rápido e Devagar, de Daniel Kahneman (Objetiva, 2012); Brain Rules, de John Medina (Pear Press, 2ª edição 2014) e Design for How People Learn, de Julie Dircksen (New Riders, 2ª edição 2015).
  4. Synapse électrique é o título da imagem de hoje. Foi compartilhada no flickr por Alex Aerosol.