Esta é a melhor era para estar vivo, quando quase tudo o que você pensa que sabe está errado.

– Tom Stoppard, Arcadia (1993)

Talvez seja só uma questão de vaidade. Todo mundo que já pisou aqui na Terra pode ter classificado a sua era como única, especial. No entanto, cá estamos, meio assustados e muito ansiosos, assistindo a uma combinação de crises que se desenvolve numa velocidade a cada dia mais estonteante. Isso nos permite afirmar que, sim, estamos testemunhando um momento especial da história da Terra. Para alguns, o apocalipse. Para outros tantos, uma grande mudança. Daquelas que ficarão na primeira prateleira dos livros de História. Sabe-se lá para onde estamos mudando. Segundo o dramaturgo Tom Stoppard¹, para “a melhor era para estar vivo.” Como assim? Por quê?

Porque quase tudo o que a gente pensa que sabe está errado

Não é porque um clã de filósofos pós-modernos niilistas² – contra um mundo melhor – concluiu que está tudo errado e, claro, vai dar merda. Também não é porque o tio do pavê, via whatsapp, vive insistindo que no seu tempo tudo era melhor. O buraco é mais embaixo:

“A mentalidade que nos trouxe até aqui não será suficiente para nos livrar dessa bagunça³.”

– Albert Einstein

A mentalidade – o tipo de raciocínio – que nos trouxe até aqui ganhou corpo e força no século XVIII, com o Iluminismo. Movimento que mereceu de Immanuel Kant um manifesto e um slogan: “Ouse entender!” Foi um pulinho depois do famoso e desastrado “penso, logo existo” de René Descartes. Kant:

“O Iluminismo é a humanidade deixando para trás a imaturidade autoinfligida. Imaturidade é a incapacidade de se valer do próprio entendimento sem a orientação de um outro. Esta incapacidade é autoinfligida quando sua causa não se encontra na falta de entendimento, mas na falta de resolução e coragem de usá-lo sem a orientação de outra pessoa. Ouse entender! Tenha a coragem de usar o seu próprio entendimento! é, portanto, o lema do Iluminismo.”4

O Iluminismo foi um grito de liberdade sustentado nas ideias das ciências, da razão e do humanismo. O mundo nunca mais seria o mesmo. Mas…

… ao que tudo indica, parece que chegou a hora de um novo salto. Porque as ideias que nos trouxeram até aqui não são mais suficientes. Que fique claro: não se trata de jogar fora o pouco que sabemos. O desafio é preencher as imensas lacunas. E ousar questionar alguns dogmas e ideologias. Por que não? Por quê?

Porque esta é a Melhor Era para estar Vivo

Porque temos a chance de testemunhar e até de participar da criação de um novo mundo. Convenhamos, não é pouca coisa. Não esperamos por novos Adam Smith, Kant, Marx, Darwin, Diderot etc. Aliás, não esperamos por gênios solitários. Vamos entender que não dá para continuar recortando e embalando problemas de forma arbitrária e artificial: isso é economia, aquilo é saúde etc. O mundo não funciona assim. Uma visão mais inteira vai requerer múltiplos talentos e especialidades. Os novos problemas não pedem por gênios e sim por times. Por belos times indisciplinados e geniais. 

Antes, porém, é preciso entender as deficiências da mentalidade, do tipo de raciocínio que nos trouxe até aqui e que não é mais suficiente.


Notas

  1. É interessante contar a história daquela frase. Arcadia é uma peça de teatro e a provocação é dita por um professor. Stoppard foi influenciado pelo livro Chaos, de James Gleick. Este fecha o laço de feedback em edição especial do livro, dizendo que Arcadia é “a mais poderosa encarnação das ideias apresentadas .”
  2. Título de um livro de um dos principais representantes tupiniquins desse clã, Luiz Felipe Pondé (Contexto, 2018).
  3. É uma versão diferente porém respeitosa com o sentido original. O termo bagunça mess em inglês – é muito caro neste almanaque. Russell Ackoff define bagunça como um sistema de problemas. (Ackoff’s Best – Wiley, 1999).
  4. Na edição de 30/09/1784 do jornal Berlinische Monatsschrift. Tradução encontrada em O Artífice, de Richard Sennett (Record, 2009).
  5. Foto de Patrick Tomasso no Unsplash