Prometi esta segunda revisão para a semana passada. Mas a agenda e o medo de que meu entusiasmo contaminasse a avaliação me impediram. Entusiasmo? Sim – o evento foi bom pra caramba! Tanto que só consegui baixar a adrenalina lá pelas duas da matina, depois de incontáveis rodadas de chopps. Agora, com o espírito crítico devidamente calibrado, tentarei escrever uma honesta prestação de contas.
.:.
Tivemos cinquenta participantes. Me lembrei das primeiras edições do FAN. Já chegamos a atender setenta pessoas, um número pra lá de exagerado em eventos desta natureza. Mas a quantidade de pessoas não comprometeu em nada o curso, pelo contrário. Criou um clima de trabalho onde todos pareciam realmente motivados. E mesmo aqueles que tradicionalmente gostam de ficar quietos em seu canto colocaram a mão na massa. Grupos de 6~8 pessoas emulavam times Scrum. E em um time Scrum é difícil alguém fingir que está trabalhando.
Comecei o evento confessando um ‘frio na barriga’ mais gelado que o normal. Era uma estreia. De um programa que fez algumas apostas arriscadas: i) ‘Esticar’ o framework Scrum de forma a contemplar as etapas de Visualização e Especulação (criação da Visão do Produto; planejamento de Releases; definição da primeira versão do Backlog do Produto); e ii) Reapresentar componentes básicos do Scrum, criticando alguns pontos dos checklists oficiais.
Não eram pré-requisitos para participar do evento o conhecimento ou experiência com o Scrum. Pouco mais da metade da plateia já trabalhava com o Scrum. Foi de parte deles que ouvi alguns “ah’s!”. Tipo: “não foi bem assim que nos ensinaram, mas acho que é disso mesmo que a gente tá sentindo falta”. Como coloquei na revisão anterior, os trabalhos clássicos sobre o Scrum partem de uma Visão pré-estabelecida. Apesar dos alertas (que não são poucos), muitos acreditam que o trabalho começa ali, traçando histórias e empilhando-as em um backlog. É preciso reforçar que um backlog frouxo, fruto de uma visão embaçada, é um dos principais suspeitos em implementações Scrum que “não vingam”.
Mas eu errei na segunda aposta. Não na reapresentação (dos componentes básicos do Scrum), mas no momento. Segundo avaliação da própria turma – ao vivo e tête-à-tête – eu deveria ter concentrado tal apresentação no início do curso, quando optei por um simples “Scrum em 15 minutos” Ao salpicar estas revisões no decorrer do curso e, principalmente, por acumular boa parte delas no finalzinho do dia, acabei quebrando o ritmo (e o clima). A turma vinha quente de três atividades consecutivas, com a mente centrada no projeto e, de repente, vê seu pique freado por uma sequência de “blá-blá-blás”. Insisto: bla-blá-blá necessário, porém mal posicionado. Mensagem que não esquecerei nunca mais: coloque toda a parte “chata” do evento no período da manhã – o pessoal prefere “chatice” concentrada do que diluída. Mas não abrem mão dela, da tal “teoria”.
Assim como não abrem mão de exemplos. Alguns participantes sugeriram a apresentação de resultados pré-elaborados. Não curto isso, porque eles são naturalmente artificiais (hehe!). Mas entendo a necessidade. E tentarei saciá-la através da demonstração dos resultados pelos próprios grupos. Contribuo mais criticando os resultados do que apresentando um só meu. O problema é o cronograma…
A outra dica / reclamação principal eu já esperava: um dia é muito pouco! Praticamente não tivemos atropelos – cancelamos apenas uma atividade prática – e todo o programa (“teórico”) foi cumprido. Eram 17h55 quando a turma foi “dispensada”. Mas ficou – se não em todos, na grande maioria – a sensação de “quero mais”. Eles queriam tempo para debater cada exercício, ver exemplos e trocar experiências entre os grupos. Apenas estes pequenos reviews exigiriam algo em torno de duas horas adicionais. Por um único motivo (custos!), meu parceiro e eu gostaríamos de manter o FDP com carga de 7 horas. Somos voto vencido. Precisarei de um tempinho para redesenhar a oficina – não gostaria de repetir a fórmula dos dois dias consecutivos já consagrada no FAN. Sei lá porque mas não gostaria.
Um ponto chamou a atenção de quem já tinha mais experiência com Scrum: a preocupação com a definição e medição do *Valor*. Em uma pequena grande série de artigos, publicada no meio do ano, eu já havia adiantado parte de minhas ideias. Surrupiei sugestões do Jim Highsmith e as misturei com técnicas que já utilizava (particularmente com a Matriz hiper-mega-super Simples de Priorização). A montagem e priorização do backlog do produto não é uma atividade trivial. Tentei mostrar como a definição do Valor e o debate sobre a complexidade ou riscos técnicos podem (ou devem) acontecer no mesmo momento e com envolvimento de todos – DP, ScrumMaster e Time – inclusive de outros representantes das áreas usuárias. Aquela tal matriz nasce neste encontro. E facilita demais a montagem de um Backlog.
Por incrível que possa parecer, a percepção do *Valor* (do que o negócio ganhará com aquele produto) parece ser difícil. A impressão que fica é que as pessoas não têm o costume de falar sobre isso. Muito menos de tratar tal definição como O fator crítico de sucesso para um projeto. Aliás, a própria definição de sucesso ou fracasso depende desta definição. Eu até tentava compreender quando notava essa dificuldade em Analistas de Negócios. Agora, falando com Donos de Produtos, a luz vermelha piscou e a sirene berrou.
.:.
A estreia do FDP ficou muito acima de minhas expectativas. Com certeza foi “sorte de estreiante”. E não tenho dúvidas de que a turma destoou: era muito boa e muito participativa. Já encontrei várias assim no FAN. E é pela experiência com ele que sei que encontrarei turmas mais arredias, selvagens, sonolentas ou simplesmente meio-desligadas. Só espero que elas não apareçam logo na segunda ou terceira edições. Prefiro encontrá-las quando a oficina estiver um pouquinho menos verde.
Assim como aconteceu com o FAN, tentarei registrar aqui todo o processo de maturação. Transparência ingênua? Não! A certeza de que só o seu feedback pode fazer o FDP amadurecer de fato. Aos que já participaram e seguirão participando meu sincero agradecimento. Inté!
.:.
Observações:
- Cometi uma injustiça danada na lista de referências bibliográficas publicada na primeira revisão. Me esqueci de mencionar o livro “Scrum Product Ownership“, de Bob Galen (RGCG, 2009). Foram os seus escritos que motivaram e inspiraram boa parte das “licenças poéticas” do FDP. Forma, com”Agile Project Management“, de Jim Highsmith, e “Agile Product Management with Scrum“, de Roman Pichler, a base para a Formação de Donos de Produtos. Ou seja, a base (teórica) do FDP.
- Todas as fotos publicadas neste artigo foram tiradas pelo fiel escudeiro e parceiro Anderson Oliveira, da Tempo Real Eventos. O cara tá ficando bom nisso! Outras fotos podem ser vistas no Flickr.