Dentre as várias coisas tristes que nos rodeiam, uma é frequente e bastante incômoda. São aqueles pedidos de socorro que surgem nas redes sociais, particularmente no LinkedIn. Saltam aos olhos por atrapalhar o tráfego de conquistas e anúncios, pelo número de compartilhamentos e, principalmente, pelo desespero confessado sem rodeios. Em sua maioria, são mensagens de mães e pais de família. Gente que há meses garimpa oportunidades. Elas causam um choque diferente daquele que sentimos nas ruas. Paradoxalmente, ele parece mais próximo. Porque, de certa maneira, nossos contatos nos espelham.

No curto prazo, não há muito o que fazer. Compartilhar o apelo; indicar para amigos; ajudar a revisar o currículo; oferecer vagas em treinamentos. Além, claro, da palavra amiga, um incentivo e algum conforto. A situação pede urgência e não há tempo e muito menos ânimo para conversas chatas do tipo “sua carreira é viável”? Remediado o caso, ainda que com um frila-band-aid, podemos puxar o assunto. E é inevitável o começo pelas más notícias.

A médio e longo prazos, várias profissões deixarão de existir ou serão totalmente redesenhadas. Em que pé anda a sua? Fazendo a análise proposta neste artigo, quantas tarefas sobrevivem aos movimentos de padronização, automação e externalização?

Além disso, considere o seguinte: as empresas estão aprendendo a se virar sem aquele pessoal que foi demitido. Nossa economia vai se recuperar uma hora¹. Quando acontecer, é pouco provável que todas aquelas vagas sejam reabertas. Apenas um salto absurdo e quase instantâneo do PIB justificaria contratações em massa. Isso não vai acontecer, seja qual for o salvador da pátria escolhido no ano que vem. A recuperação será lenta. E é preciso aceitar que alguns postos de trabalho se foram para sempre. Quem está escrevendo isso é tido como um otimista incurável. Que a sequência do artigo comprove isso.

Redesenhando a Carreira

Nossa evolução, até aqui, significou um emaranhado de silos e caixinhas. Se você quer se especializar em alguma coisa, tem à sua disposição um cardápio com mais de oitenta mil disciplinas. As organizações – sejam elas públicas, privadas ou do terceiro setor – oferecem milhares de funções diferentes. A princípio, não há nada de mal nem de errado nisso. Se você precisar de uma cirurgia no cérebro, é lógico que não vai se contentar com um clínico geral. Especialistas, em qualquer área, continuarão necessários.

Mas a especialização não basta. Ela não é suficiente para garantir uma carreira viável. Você já viu esse papo antes, sobre a tal carreira em T. O traço vertical indica uma especialização. Na horizontal, seus “conhecimentos gerais ou genéricos”. É fácil chegar até essa sugestão. Mas precisamos ir além da página três. Afinal, o que significa a horizontal? Que você é culto, eclético e está em dia com as notícias? A visão holística² de um negócio? Que garantia isso dá para um profissional? Onde se aprende isso? Basta ser curioso, atento e antenado?

O Complexo do Eco³

“Quanto mais coisas uma pessoa sabe, menos coisas deram certo para ela.”

Umberto Eco nos deixou essa provocação em seu último livro publicado em vida, Número Zero (Record, 2015). Conclusão curiosa de um bem sucedido sabedor de muitas coisas. Nos serve como alerta: amplitude de conhecimentos e experiências não se constrói com uma metralhadora giratória. Não é uma questão de agregar hobbies e interesses diversos ao currículo. Não basta prestar serviços comunitários ou conseguir uma cadeira em um conselho de administração. Mas eu não estou sugerindo que você seja um porco-espinho³.

Quanto tempo você tem de estrada?

Se já rodou bastante, saiba, você pode ter algumas vantagens. Aliás, várias. Qual é o seu portfólio de habilidades? Quais e quantas você conseguiria transferir para outro contexto – para uma área que não seja a sua? Quantas vezes você experimentou isso? Entenda: é explorando que você desenha e amplia o traço horizontal do T. Tem uma vida dedicada à iniciativa privada? Quais conhecimentos e habilidades seriam úteis na administração pública ou em uma ONG? Passou uma vida inteira no varejo? O que você pode agregar para a indústria ou para uma empresa de serviços? Está enferrujado na contabilidade? Que tal uma transferência para TI? O que você pode levar para lá?

Você não é o sênior que de repente virou estagiário porque mudou de área ou função. Se os seus conhecimentos, habilidades e ferramentas não fizerem nenhum sentido naquele novo contexto, então você não está desenhando um T. Está colocando uma trema no Ï. Pode ser divertido. Se é isso o que você procura, tudo bem. Mas não se esqueça que a ligação de pontos muito esparsos pode não ser trivial nem factível.

Então é isso, uma questão de levar uma mochila repleta de habilidades para outras áreas? Claro que não. Esse é o ponto de partida, não o de chegada. Quem faz esse movimento deve estar preparado para aprender muito. E rápido. Fazer com que essa aprendizagem signifique a ampliação dos dois traços do T é o desafio.

E a turma nova? O que significa uma carreira em T para quem está começando agora? A possibilidade de expandir as duas linhas de forma quase simultânea. Entretanto, há duas grandes barreiras no caminho: a escola e a empresa. A escola força uma escolha muito cedo e te joga num silo quase sempre hermético. As empresas contratam e continuarão contratando especialistas. Ou seja, se você deseja ter formação e carreira mais amplas – um T ao invés do I –  não conte com muito apoio. A iniciativa deve ser sua. E o plano também.

Conversaremos sobre isso no próximo artigo. Inté!

Notas

  1. Infelizmente, pelo andar da carruagem, não é sensato apostar em ganhos significativos até 2020. Quem comemora a criação de trinta ou quarenta mil vagas em um mês parece se esquecer do universo com 14 milhões de desempregados. Alguém aí comemorou o nosso gol no fatídico 7×1?
  2. O termo “holístico” dá margem (!) para muitas interpretações. Ao falar de uma visão “do todo”, o universo é o limite para muita gente. Saber delimitar ou identificar fronteiras é uma característica chave do Pensamento Sistêmico. E um antídoto contra papos viajandões.
  3. Interpretação minha, ok? Eco não batizou nem qualificou aquela conclusão. Utilizo “complexo” no sentido psicológico – “sou complexado”. Este artigo de Victor Lisboa, no Papo de Homem, sobre o porco-espinho e a raposa, estica bem o assunto.
  4. T, de crodriguesc, ilustra este artigo.