No capítulo anterior vimos, em linhas gerais, como uma organização aprende. A conversa de hoje é sobre socialização, mais especificamente sobre canais de comunicação e ferramentas sociais.

Nenhum projeto ocorre sem comunicação. Santa obviedade, diria Robin. Mas o quão bem nos comunicamos em um projeto? Por favor, não me venha com templates de documentos, atas e que tais. Para início de conversa, precisamos conhecer os canais disponíveis, suas vantagens e desvantagens.

O diagrama ao lado¹ sugere a classificação dos canais de comunicação levando-se em conta duas variáveis: Riqueza do Canal e Tipo de Mensagem.

A riqueza é definida pelo volume de informações que trafega em determinado canal. Lembre-se, “informação é a diferença que faz diferença”. Boletins e relatórios são os mais pobres. Qual a razão? Simples: palavras, números e eventuais gráficos raramente ou nunca comunicam o contexto, história, sentimentos etc. Estas informações (ou confirmações ou ruídos – todos igualmente necessários) só são capturadas no tête-à-tête, em tempo real. Por isso, desde que a gente é gente, a forma mais rica de troca de informações e conhecimentos é o cara a cara. As vídeo-conferências são boa alternativa quando o encontro pessoal não é possível. Mas elas não têm o mesmo potencial das reuniões que permitem apertos de mão e abraços.

Como nosso tema central são os requisitos, a segunda variável é ainda mais relevante. O bom analista sabe que todo requisito nasce com considerável dose de ambiguidade, de incertezas. Se tudo o que precisássemos fosse uma confirmação binária – sim ou não – então os outros canais seriam suficientes. A maior parte do trabalho com requisitos – da descoberta ao desenvolvimento – não pode se dar esse luxo. Trocando em miúdos: a maior parte do trabalho com requisitos deve se dar na base do cara a cara. O “maior parte” soou ambíguo demais para ti? Então, crava aí: de 50% a 80%, dependendo do ineditismo do projeto².

Ferramentas Sociais

Existem inúmeras ferramentas sociais – ferramentas que utilizamos para trocar informações e experiências, apresentar soluções, debater problemas, fofocar, avaliar, motivar e conviver. Nos interessam aquelas que fazem uso do canal mais rico, o cara a cara. Nesta categoria, praticamente todas as ferramentas derivam de dois únicos modelos: Reuniões e Observações.

Não faria muito sentido, dados o espaço e o foco desta série, que eu inventariasse e classificasse cem, vinte ou mesmo dez ferramentas sociais. Existem bons livros que já fizeram isso por nós³. Portanto, limitarei este artigo à apresentação dos dois modelos principais.

Reuniões

O que trato aqui como reunião é qualquer encontro que envolva duas ou mais pessoas. No trabalho com requisitos é comum o uso do termo entrevista, que não deixa de ser uma reunião. Temos apenas três tipos de reuniões:

  • Abertura / Apresentação: de uma ideia, proposta ou de um problema. Normalmente é configurada para motivar uma primeira rodada de debates acerca do tema exposto.
  • Exploração: de ideias e alternativas. É neste tipo de encontro que acontece a maior parte do desenvolvimento de requisitos. E é este tipo de reunião que apresenta o maior número de variações.
  • Fechamento / Prestação de Contas: acerca de um projeto, iteração ou tarefa específica. É uma conclusão que, em alguns casos, resulta em nova abertura ou no planejamento desta.

É importante que tenhamos um modelo para a configuração das reuniões, independentemente de seu tipo. Um dos melhores que já conheci é apresentado como framework 7P’s4. O desenho ao lado ilustra seus componentes:

  • Objetivo: todo encontro deve ter um objetivo bem colocado. Ou, no máximo, um pequeno conjunto de objetivos. Ao convidar as pessoas – recomendo que isso ocorra com sete dias de antecedência – os objetivos devem ser comunicados. E reforçados logo na abertura da reunião.
  • Pessoas: a lista de quem deve participar da reunião. É importante, para a produtividade do encontro, que a lista seja a menor possível. Se, por exemplo, a matriz RACI informa que fulano espera apenas ser informado, então ele não deveria ser convidado. Se contentará com um resumo (ata não!) daquilo que foi decidido no encontro. Reuniões de abertura ou fechamento, que por definição envolvem um número menor de informações (e discussões), podem acomodar (incomodar não!) um público maior. Reuniões de exploração são mais produtivas quando envolvem um número pequeno de participantes.
  • Processo: cada tipo de reunião requer um processo diferente. Eventos de abertura ou fechamento são mais simples e apresentam poucas variações de processos. Já as reuniões de exploração podem ter variações mil. Existem diversos formatos de brainstormings e reuniões visuais, por exemplo. Sou fã de carteirinha de um meta-modelo que pode ser aplicado em todo e qualquer tipo de reunião, o método d’Os Seis Chapéus do Pensamento (Sextante, 2008) criado pelo médico e psicólogo Edward De Bono.
  • Produto: não é tão mais simpático chamar de produto o que nossos senhores aparecidos citam como entregável? Deixa pra lá. O importante aqui é entender que toda e qualquer reunião deve gerar um resultado, um produto. Como se concretiza a realização de determinado objetivo? É recomendável que se pense nisso com certa antecedência. Mesmo que o produto seja uma simples lista com distribuição de responsabilidades.
  • Preparação: e por falar em certa antecedência. O que deve ou pode ser feito antes da reunião de forma a evitar atropelos, improvisos e saias justas? Não cabe aqui apenas uma eventual apresentação tipo powerpoint, mas tudo o que pode ser preparado para garantir um encontro produtivo.
  • Logística: destaca-se aqui outro tipo de preparação, aquela que envolve reserva de salas e equipamentos de apoio; revisão da lista de convidados; elaboração e publicação do convite (pauta); aquisição ou solicitação de comes & bebes etc.
  • Riscos: não há ato de planejamento bem feito que não considere e destaque possíveis armadilhas. Ao simplesmente pensar sobre isso os organizadores e condutores do encontro já se protegem contra malas, debates estéreis, aparecidos da silva e outras incontáveis situações que podem comprometer uma reunião.
  • Se eu fosse o autor do framework 7P’s destacaria outro componente, o Tempo. É nada menos que vital para uma reunião produtiva que sejam delimitados (e incondicionalmente respeitados) os horários de início e término do encontro. E faz bem para a qualidade dos requisitos que os eventos não ultrapassem o limite de duas horas de duração.

As reuniões nunca foram tão visuais como hoje. Nos livros citados³, praticamente todas as ferramentas são visuais. Tim Brown, em Change by Design (Harper Business, 2009), tem uma boa explicação para isso: “Palavras e números são bons, mas é desenhando que podemos revelar simultaneamente as características funcionais e o conteúdo emocional de uma ideia“.

Cabe um último alerta sobre reuniões. Deve existir um e apenas um condutor  (ou facilitador. De Bono chama de presidente!) da reunião. E é humanamente impossível que esta pessoa conduza e simultaneamente faça os registros necessários (desenhos, especificação de casos de uso, histórias, lista de atributos etc). Por isso sempre recomendo a presença de um segundo profissional, responsável pela externalização (conversão, mesmo que parcial, em conhecimento explícito) daquilo que está sendo debatido ou apresentado.

Observações

Nós sabemos mais do que podemos dizer. -Michael Polanyi
A observação é uma ferramenta em fase de redescoberta. Como ilustrado no artigo anterior, Diderot lançou mão dela para aprender diversos ofícios. Agora, séculos depois, estamos aprendendo a aprender observando o trabalho ou o cotidiano dos outros. Porque começamos a entender que “sabemos mais do que podemos dizer”.

Existem dois tipos principais de observações:

  • Ativa: o observador ocupa o lugar do observado por um certo tempo, executando seu trabalho. Literalmente, “calçamos os sapatos” e “sentimos as dores” do usuário ou cliente. Não vale que seja por apenas alguns minutos, apenas para “ver como é”. Não, na observação ativa dedicamos o tempo necessário para literalmente sentir dores. Rica que é, difícil explicar sua pequena adoção em terras tupiniquins. Será preguiça?
  • Passiva: aqui há de fato apenas a observação atenta. Em alguns casos, ela deve ser silenciosa e, se possível, escondida. Explico: não é raro que o observado, quando ciente da observação, passe a atuar – falseando ou exagerando seus gestos, falas, caras e bocas. Se ele deixar de ser quem é, de fazer o que realmente faz e como o faz, a observação estará perdida. As conversas, quando necessárias, devem ser separadas da observação. Interrupções constantes também comprometem o trabalho de observação.

Extraímos requisitos das observações? Sim, e o curioso é que a fonte daqueles requisitos é o próprio analista-observador e não o usuário que foi observado. Porque é impossível que o analista faça uma observação totalmente isenta. Ele carregará as necessidades e restrições percebidas com sentimentos seus, não do observado. Isso não é um problema quando a observação é de fato atenta e atenciosa.

A observação pode criar de forma mais rápida e natural um componente fundamental para boas comunicações: empatia. Infelizmente, acho que não tenho muito mais a dizer sobre essa ferramenta. Veja bem: a melhor maneira de ensinar alguém a observar é convidando-a para observar um trabalho de observação. Sacou?

Então, depois de extrapolar e muito o limite auto-imposto de mil e poucas palavras por capítulo, só restam um lembrete:
Comunicação = Informação * Relacionamentos * Feedback

e uma provocação5: “Para criar bons relacionamentos você deve convencer as pessoas de que se preocupa com elas. A única maneira de convencê-las é se preocupando realmente.

Estou prestes a encerrar a “primeira temporada” da série. Como ela é muito longa, você e eu merecemos um descanso. Mas há outro motivo: estou iniciando uma nova bateria de testes de boa parte das sugestões que ainda serão apresentadas. Dependo desta confirmação para seguir o trabalho. Conto com sua compreensão.

 

Notas

  1. Surrupiado de Comportamento Organizacional, Stephen Robbins (Prentice Hall, 2002).
  2. Um projeto de sistema que se propõe a substituir outro sistema, por exemplo, não exigirá tanto encontro tête-à-tête. Aliás, se for uma simples substituição, a maioria das reuniões e entrevistas devem ser feitas com o próprio substituído. A isso chamamos Engenharia Reversa, técnica que ainda pode aparecer no decorrer desta série.
  3. Gamestorming, Dave Gray, Sunni Brown e James Macanufo (O’Reilly, 2010);
    Visual Meetings, David Sibbet (Wiley, 2010);
    The Back of the Napkin, Dan Roam (Portfolio, 2008). Eu fugiria da edição nacional deste, uma lástima. De qualquer maneira, caso te interesse, foi traduzido como Desenhando Negócios e publicado pela Campus (2010).
  4. Surrupiado de Gamestorming, listado acima. Os 7 P’s do nome, do original em inglês, são Purpose, People, Process, Product, Prep, Practical Concerns e Pitfalls. Eu sei, é barra forçada para parecer original. Este modelo, com pequenas variações, deve existir desde a época em que morávamos em cavernas. De qualquer maneira, não dá para negar sua utilidade.
  5. O Líder Técnico, Gerald M. Weinberg (Makron Books, 1994).