Os poucos corajosos que toparam o desafio proposto no último artigo deram bons chutes¹: seriam os avanços tecnológicos o tal monstro? Ou as incertezas? Ambos têm a ver com o futuro, com o Tempo. Um fator que nossos modelos de negócios não costumam tratar muito bem.

tem.po s.m. 1 período contínuo e indefinido no qual os eventos se sucedem e criam no homem a noção de presente, passado e futuro. 2 oportunidade para a realização de algo. (Houaiss)

Aquilo que é contínuo e indefinido não é bem recebido/percebido por nossas mentes. Ciente disso, a escola clássica de administração propôs o domínio arbitrário do tempo. Em janeiro projetamos onde e como queremos estar no final do ano. Verbas e metas são definidas e distribuídas. Mandingas pra lá, bônus ou punições pra cá, a vida segue e o ciclo recomeça 365 dias depois. Não sem muitas frustrações.

Tal modelo deve ter funcionado em algum momento. Caso contrário, como justificar sua onipresença em nossas organizações públicas e privadas? Numa era onde a imprevisibilidade impera, acreditar nele equivale a acreditar em papai Noel.

O tempo também seria um delimitador de responsabilidades em uma organização. Em uma leitura que não deixa de ter certa lógica, a posição de alguém na estrutura hierárquica indicaria o quão longe no tempo ele deve enxergar. O alto escalão, como o sábio no topo da montanha, tem todo o horizonte (de um ano) para si. A turma do meio se divide entre enxergar o próximo mês ou trimestre. À turma do andar de baixo cabe o aqui e agora. O modelo quebra toda vez que todos se misturam para resolver um problema cotidiano. Ou quando o cara lá de cima faz questão de acompanhar o fluxo de caixa diariamente. Parece pior, em alguns lugares, quando algum peão tem a cara de pau de sugerir que o plano – o meio para alcançar o futuro proposto – está errado. Seriam essas misturas e ingerências um problema? Ou seria uma questão de modelo?

Propostas interessantes pululam por aí. Uma organização ambidestra² faria uma divisão bem clara entre presente e futuro. Uma empresa tupiniquim, a Promon, teria experimentado uma variação do modelo, colocando dois gerentes em determinadas áreas. Um para o dia a dia; o outro para cuidar do amanhã. Infelizmente, não tenho informações suficientes para julgar a eficácia do modelo³. O que não me isenta de colocar algumas questões: i) o amanhã é pré-fixado, como no tradicional modelo de planejamento estratégico? ii) entre o presente e o futuro há um espaço de tempo. Quem cuida dele? E quem faz as intermediações dos inevitáveis conflitos? Podemos desconfiar de que dois braços – duas cabeças! – não sejam suficientes.

Algumas tendências dão espaço para uma leitura curiosa: estão tirando o bode-futuro da sala? Empresas sem hierarquia, Entregas Contínuas, Kanban, DevOps. Não demora e alguém ainda vai batizar uma variação desses métodos de Warp Drive4. Que a ironia não seja mal interpretada. Não há nada de errado nessas sugestões, muito pelo contrário. Todas têm lugar em nossa heterogênea salada de frameworks. Mas onde fica o tempo para contemplar o futuro quando estamos todos concentrados na operação, no presente ou no curtíssimo prazo?

Repare na segunda definição de tempo: oportunidade para a realização de algo. Quantas vezes ao dia você ouve ou fala que “está sem tempo” para realizar algo? E quanta frustração tal carência causa tanto no âmbito pessoal quanto em uma organização? Neste caso há um plano, existem objetivos bem claros. Se eles são de fato desejados, por qual razão não haveria tempo para eles? O inferno nosso de cada dia seria a única causa? Ou haveria uma falha no modelo?

Dentre todos os recursos que temos o tempo é o único que, uma vez perdido, nunca mais será recuperado. Só isso deveria bastar para que ele fosse tratado como rei. E mais bem representado em nossos modelos de negócios. No entanto, como em um mapa antigo, ele parece existir apenas como um imenso monstro. Seria possível trocá-lo por uma representação fidedigna do tempo? Como ela se refletiria na estrutura e no comportamento de uma organização?

Interrogações demais para um artigo. Algumas respostas e sugestões começam a aparecer na próxima semana. Inté!

Notas

  1. Monstros em Modelos de Negócios
  2. Organização Ambidestra na Wikipedia (em inglês)
  3. Não sei dizer se a Promon segue utilizando o modelo e qual o resultado da experiência. Aliás, gostaria muito de saber. Você sabe?
  4. Warp Drive – Dobra Espacial na Wikipédia.
  5. O belo desenho que ilustra este artigo, Clockwork, é de autoria da Juliana Oliveira Silva.