Nada como um dia (agitadíssimo) depois de outro (não menos agitado). Ao reler o artigo anterior, “O BABoK e a Disciplina ‘Enterprise Analysis’“, reparei que posso resumi-lo assim: O BABoK trata exclusivamente da macro-disciplina Engenharia de Requisitos. Apesar do nome, a KA (Knowledge Area) Enterprise Analsys (ou Análise Corporativa) trata exclusivamente daquilo que Karl Wiegers chama de Requisitos de Negócio . Trata bem e de maneira bem completa, diga-se de passagem. Mas este fato torna o nome BABoK (Business Analysis Body of Knowledge) meio enganador. Aquele conteúdo formaria um bom REBoK – Requirements Engineering Body of Knowledge. Para a Análise de Negócio falta uma metade: exatamente a Análise (e Modelagem) de Negócios!

Desconfio que a falta já é sentida pelos próprios autores e responsáveis pelo BoK. Em uma das apresentações recentemente utilizadas na divulgação da profissão e do BABoK, eles frisam:

Análise de negócios não é análise de requisitos de software. Analisar um negócio é compreender:

  • Como a organização trabalha;
  • Qual a razão de sua existência;
  • Seus objetivos e metas;
  • Como ela busca esses objetivos; e
  • O que ela precisa mudar para melhor atender esses objetivos.

Para ajudar a definir uma solução para um problema de negócio.

Com certeza, alguém já fez a mesma cobrança que faço desde que conheci o BABoK. Pena, mas a declaração acima (ainda) não está refletida naquele corpo de conhecimentos. Não há no BABoK um conjunto de Tarefas e Técnicas que atenda plenamente a lista acima, exceção feita ao terceiro item. Bom, como prometi no artigo anterior, serei mais “construtivo”.

Antes de estudar as necessidades ou problemas de um negócio, é necessário conhecê-lo, aprendê-lo. Uma maneira muito eficaz para se *aprender* um negócio é a modelagem. Modelar é simplificar. Modelar é compilar apenas o que é essencial. Indico (teimosamente) o uso da EPBE (Eriksson-Penker Business Extensions) para a criação desses modelos por dois motivos principais: i) Ela é completa – me permite cobrir todos os aspectos de um negócio, sua estrutura e sua dinâmica (processos); e ii) A EPBE é uma extensão da UML (Unified Modeling Language), uma linguagem madura, bem difundida e fácil de aprender. (Já apresentei a EPBE em outra série de artigos).

Todo e qualquer negócio apresenta 4 *coisas* que precisamos aprender: Objetivos, Recursos, Processos e Regras. Cada um deles pode merecer um ou mais modelos, dependendo da criticidade do negócio ou do projeto em questão. A EPBE nos oferece 4 visões, 4 dimensões – maneiras diferentes de *ver* o negócio: A visão do Negócio propriamente dita; sua Estrutura; Processos e Comportamento. Não há uma seqüência pré-fixada para o estudo. Como sempre, depende do negócio e do projeto. Mas, mesmo em empreendimentos muito simples, não abro mão de um enxuto mapa de processos e do diagrama de processos (ou “linha de montagem“) um pouco mais detalhado. Usando uma boa ferramenta CASE , e não meus rabiscos, obtemos automaticamente outros modelos, como a estrutura de recursos, objetivos e metas (ou mesmo um balanced scorecard).

Ao estudar os processos, vendo as atividades e tarefas que os formam e toda a estrutura (departamentos e outros recursos) envolvida em sua execução, ganhamos uma visão mais nítida do “terreno que estamos pisando”. Se há um projeto, existem Requisitos de Negócio. São os objetivos (um dos 4 elementos básicos apresentados acima, lembra-se?), as necessidades ou problemas que devemos sanar. São os primeiros requisitos que conhecemos. Na maioria das vezes, bem antes do projeto ser iniciado. Mesmo que sejam mais críticos e essencias para o sucesso do projeto, esses requisitos são tratados da mesma forma – acolhidos em uma mesma estrutura. Destaquei este ponto para mostrar que Análise e Modelagem de Negócios e a Engenharia de Requisitos são atividades que ocorrem de maneira simultânea, e não sequencial. Nem quem mergulha em “cascatas” conseguiria tratá-las como fases distintas de um projeto – são naturalmente indissociáveis, “gêmeas siamesas”.

Processos Envelhecem

O que acontece quando um recurso de uma empresa se torna obsoleto? Ele é trocado, certo? Se for um computador ou um caminhão, compra-se um novo. Se for uma pessoa, aposenta-se ou mostra-lhe o bilhetinho azul (ou cartão vermelho, como queira). Mas, e quando um processo de negócio envelhece? O que acontece? As empresas costumam remendá-los e redesenhá-los. Trocas radicais só ocorrem mediante a implementação arbitrária de um pacote de melhores práticas também conhecido como ERP. Mas, mesmo assim, em curto espaço de tempo, voltam os remendos e redesenhos. O mundo não pára.

O envelhecimento de processos, assim como o nosso, vem com más notícias. Saca aquela dorzinha na coluna que nunca tivemos? Bom, é por aí. E aqui entramos num ponto relativamente polêmico do trabalho dos Analistas de Negócios (AN’s). É mal traçada a linha que os separa daqueles tradicionais Consultores de Negócios. Há quem diga que um AN não deve “se meter” com os problemas do negócio. Oras, o que justificaria tamanha “vista grossa”?

É claro que, quando em projetos para desenvolvimento ou implantação de sistemas, o foco do AN não é o redesenho (ou reengenharia) de processos de negócio. Mas isso não significa que ele deva ignorar sintomas e doenças que porventura encontre durante seus estudos. Se ele insistir em levar para a solução aquele processo e suas pequenas dores, levará também maiores riscos e chances de mudanças. É exatamente por isso que, ao contrário do RUP, gosto de chamar esta disciplina de Análise e Modelagem de Negócios. Soarei idiota, mas preciso reforçar: é o Analista de Negócios quem executa a Análise de Negócios! E analisar, definitivamente, não se resume ao desenho de belos modelos.

Portanto, a grande e grave deficiência do BABoK é o fato deste ignorar por completo este estudo, a análise e modelagem de negócios. Acho pouco provável que todo esse “chororô”, que não é só meu, gere alguma mudança significativa na versão 2.0 que está em vias de ser publicada. Resta torcer para que, ao contrário do que ocorre em outras instituições similares, eles não se apeguem de forma intransigente à estrutura atual daquele corpo de conhecimentos. Seria fatal.

Outros Corpos

Como eu disse lá em cima, foi uma semana bem agitada. Em nosso grupo de discussão, parcialmente restrito aos participantes de meus eventos, surgiu um conversa meio “subversiva”: elaborar o que o amigo Jefferson chamou de “BABoK Apócrifo”! Acho que (ainda) não é o caso, mas um fruto imediato aquela discussão toda já gerou: nascerá (muito) em breve um Fórum que tratará exclusivamente do BABoK e da profissão AN. Ao contrário do grupo, acho que o Fórum será público. Acho. A turma decidirá.

: Acontece na próxima quinta-feira (24/abr), em Sampa, a 2ª edição da oficina Análise e Modelagem de Negócios. É um evento de um dia só, mas consigo mostrar nele tudo aquilo que, na minha opinião, foi ignorado no BABoK. Nesta página você tem uma visão geral do programa. É extenso e tem vários exercícios. Mas nada que a gente não consiga conversar em 1 dia.

Referências:

  1. Software Requirements
    Karl Wiegers. Microsoft Press (1999).
  2. Já utilizei a EPBE no Rational Rose e no Visual Paradigm, além d’outras, menos fechadas. Para quem quiser experimentar, existem duas ferramentas “free” que oferecem a extensão: StarUML e JUDE. (Tks! Marcelo).