Foi Dan Roam, através de The Back of the Napkin (Portfolio, 2008), o primeiro a me empurrar para as ciências que estudam nossa mente. Parte do método que ele apresenta é baseado na forma como operam neurônios velhos de guerra – o cérebro primitivo. Hélio Schwartsman, que substituiu Clóvis Rossi na página A2 da Folha de São Paulo, vira e mexe apela para a neurociência na esperança de explicar histórias do nosso dia a dia. No caderno Ilustríssima do último domingo, Schwartsman comentou três novos livros da área no artigo “A Força do Hábito”. Vou aproveitar a deixa para apresentar outro livro e jogar conversa fora.

Neurociência no {finito}?! Perdeste a cabeça? Ainda não, mas eu chego lá. Meus estudos para os novos módulos de treinamento me levaram para outros campos, psicologia e antropologia, por exemplo. Por enquanto é coisa de curioso que tenta filtrar o essencial e torná-lo prático, útil¹. Mas essas áreas que lidam com nossas cucas, ao contrário do que eu supunha, são bastante atraentes. E sabe-se lá para onde vão me levar.

Das novas ciências, não são muitas as que, apesar dos avanços das últimas décadas, apresentam um horizonte imenso, praticamente infinito. É o caso da neurociência (ou neurociências?). Nosso cérebro ainda apresenta muitos mistérios. Os poucos que desvendamos causam espanto e abrem um novo mundo de possibilidades. Por exemplo, criamos uma economia comportamental; ou pretendemos fazer com que uma pessoa paraplégica possa dar o pontapé inicial na abertura da próxima Copa do Mundo². Aprendemos como nossa mente é maravilhosa em sua complexidade. Mas também estamos descobrindo a imensa quantidade de bugs que carregamos em nossas cacholas.

O Cérebro Imperfeito

Este é o título do livro recém lançado por Dean Buonomano (Campus, 2012), norte americano que se formou na Unicamp e concluiu seu pós-doutorado na Universidade da Califórnia. Buonomano consegue explicar para leigos as maiores descobertas sobre o hardware e o software do cérebro humano. Sim, ele usa e abusa de analogias com computadores e sistemas operacionais para apresentar o funcionamento e as limitações de nosso cérebro.

Uma coisa fundamental a se entender, aquela que talvez seja a principal causa de todos os nossos bugs, é que nosso cérebro foi moldado para outra época. Ricardo Semler, em Managing Without Managers³ (Harvard Business Review, set-out/1989), já havia resumido bem a questão:

“Na Semco, procuramos respeitar o caçador que dominou os primeiros 99% da história de nossas espécies. Se você tivesse de matar um mamute ou ficar sem jantar, não teria tempo para traçar um organograma, designar tarefas ou delegar autoridade…”

Cabe aqui um mea culpa, uma confissão de ignorância mesmo. Eu vivia dizendo ou escrevendo que nosso imediatismo – a urgência exagerada – era um mal dos tempos modernos. Que nada. Passamos milhares e milhares de anos preocupados quase que exclusivamente com a próxima refeição. Como coloca Schwartsman no artigo citado anteriormente, “nossas mentes foram criadas para operar no paleolítico, não em sociedades tecnológicas e plurais”. Não somos naturalmente íntimos dos planos e do ato de planejar. E quase sempre optamos pelo pássaro na mão (recompensas imediatas) em detrimento de dois voando (ganhos futuros). Esse bug explica muita coisa. O velho ditado dos pássaros também.

Ao observar a história da evolução do cérebro percebemos como é relativamente recente o nosso mecanismo racional. Bem mais antigo que ele é aquele que rege as emoções. Essa separação – razão X emoção – que também é física, já nos foi apresentada de outras maneiras. É recorrente, por exemplo, falar sobre cérebro esquerdo X direito. Parece que esse papo de esquerda versus direita também fica embaçado em temas neurobiológicos. O fato é que existe uma divisão e Buonomano reflete que:

“Em última análise, nossas ações parecem representar um projeto em grupo; elas resultam de negociações entre as áreas cerebrais mais antigas, como a amígdala, e os módulos frontais mais novos. Juntas, essas áreas podem chegar a algum consenso em relação ao compromisso apropriado entre emoções e razão. No entanto, esse equilíbrio depende do contexto e, em alguns momentos, pode se inclinar bastante na direção das  emoções.”

Derivam dessa herança pré-histórica os bugs que mais nos afetam, seja em nível pessoal ou na vida em organizações. Nosso cérebro detesta incertezas e a falta de controle, por exemplo. Esses sentimentos têm origem na parte primitiva de nossa mente, de um sentimento maior que, de certa forma, deve ser festejado por nos ter trazido até aqui: o medo. Mas, se por um lado ele nos garantiu a sobrevivência, por outro parece estar na raiz de todos os nossos problemas.

Outro bug notável é a exagerada confiança que depositamos em nossa memória. Buonomano nos mostra que, ao contrário dos hard disks e pen drives, nossa memória não armazena partes exatas de informação e nem as mantém estáticas. Porque, ao contrário daqueles dispositivos de armazenamento, nossas operações de gravação e leitura de informações não são diferentes e se afetam mutuamente. Toda vez que nos lembramos de alguma coisa alteramos componentes daquela lembrança, adicionando ou removendo links, criando novas relações em nosso imenso banco de dados.

Dia desses, em um boteco aqui de Varginha, rolou uma brincadeira que ilustra bem o tipo de armadilha que nossa memória costuma montar. Sandro, o dono do bar, virou para uma turma e perguntou: “Entrou um cego aqui no bar. Como ele pediu uma cerveja?” Não foram poucos os que tentaram fazer uma mímica, para gargalhada dos demais. Caramba, o cara era cego, não mudo! Buonomano faz brincadeira semelhante ao perguntar: o que uma vaca bebe? É grande a possibilidade de você ter pensado “leite”. Porque “vaca” e “leite” estão associados em nossa mente.

Com histórias assim, de nosso cotidiano, o autor ilustra os diversos bugs que comprometem o funcionamento de nosso mais sofisticado órgão. E encerra, como não poderia deixar de ser, com um capítulo que mostra como podemos tentar corrigir alguns deles. Livro provocante e bem escrito, contraponto necessário e robusto aos papos motivacionais e livros de auto-ajuda.

Testando a Cuca

Saca só a  imagem abaixo, surrupiada de O Cérebro Imperfeito:

O que você está vendo? Parece que a Torre de Pisa da direita está mais inclinada, né? Mas saiba que são reproduções da mesma imagem. Seu bugado cérebro não vai aceitar, mas são.

 

Notas

  1. O que fazer quando uma disciplina ou corpo de conhecimentos não tem respostas para todas as suas perguntas? Você procura em outro lugar, certo? Vem daí minha principal motivação para dar uma olhada em outras caixas, outras prateleiras. Convenhamos, várias separações não fazem o menor sentido. Não mais.
  2. O projeto em questão é do mais famoso neurocientista brasileiro, Miguel Nicolelis, autor de Muito Além do Nosso Eu (Cia. das Letras, 2011).
  3. Este artigo pode ser encontrado em Management Não É o Que Você Pensa, coletânea de artigos e provocações organizada por Henry Mintzberg, Bruce Ahlstrand e Joseph Lampel (Bookman, 2011).
  4. Veja outros testes (demos) no site oficial do livro, brainbugs.org.
  5. A imagem que ilustra este artigo é de Robert Fludd , obtida via Wikimedia Commons.