Jeff Sutherland se inspirou¹ no Engenheiro-Chefe da Toyota para criar o papel do Dono de Produtos (PO). O que aproveitamos desse modelo? Um EC é visto como um “super-engenheiro e líder”. Sua formação não dura menos do que doze anos. Sua posição é a mais cobiçada entre os engenheiros daquela empresa japonesa². Quanto disso nós trouxemos para os nossos POs? Quase nada.

Ok, a nossa realidade é diferente. Não fabricamos carros. E aquele morro ali ao lado não é o monte Fuji. Mas isso não pode justificar o que vemos por aí com relativa frequência. A palavra DONO não carrega nenhuma ambiguidade. Mas não são poucas as organizações que inventaram donos de mentirinha. Gente sem autonomia para dizer nem sim nem não.

Cansados da situação, alguns simplesmente se livraram do papel. Via Negativa! Isso tem se tornado relativamente comum: jogar fora tudo que parece difícil e não funciona logo. POs, estimativas, sprints e agora projetos. Sabe-se lá quantos bebês vão junto com a água suja. É preciso entender que uma restrição pode ser, sob outra perspectiva, um recurso.

Um PO, para funcionar bem, precisa ser percebido como um recurso à disposição de todos os envolvidos. Um recurso verdadeiramente útil tanto para clientes e usuários quanto para o time de desenvolvimento.

Nós não ajudamos a criar essa percepção quando afirmamos que o PO: foca no ROI; cria a Visão (sozinho); é a única voz das partes interessadas perante o time; cria a Visão do Produto e estabelece fronteiras. Essas afirmações, extraídas de alguns best-sellers da área³, reforçam o lado antipático: o PO é uma restrição, gargalo, mala, elo mais fraco, ponto único de falha etc.

Justificar a eliminação de restrições chatas é fácil.
Se livrar de recursos úteis, nem tanto.

Notas

  1. Scrum: A Arte de Fazer o Dobro do Trabalho na Metade do Tempo (Leya, 2014). Já tem uns quatro meses que esse livro figura no topo da lista de mais vendidos publicada aos sábados na Folha de São Paulo. Que bom! Mas que não seja pela desastrada promessa do subtítulo.
  2. Segundo James Morgan e Jeffrey Liker em Sistema Toyota de Desenvolvimento de Produto (Bookman, 2008).
  3. Agile Project Management with Scrum – Ken Schwaber (MS Press, 2004).
    Scaling Lean & Agile Development – Larman e Vodde (Addison-Wesley, 2009).
    Essential Scrum – Kenneth Rubin (Addison-Wesley, 2013).
    Succeeding with Agile – Mike Cohn (Addison-Wesley, 2010).
  4. Day 168 / 365 – Post-It Luv Gone Bad, de Anita Hart, decora este texto.