Não faria sentido que esta última parte da série ficasse limitada ao resumo do resumo (toda a série é uma síntese de um conjunto de ideias e obras que serão apresentadas no apêndice). Também havia prometido que este capítulo trataria de inovação e redesenho de negócios. Depois que ouvi a palavrinha “inovação” da boca de políticos de meia tigela conclui que passa da hora de abandoná-la. Portanto, esta parte: i) não é simplesmente um resumo (apesar de revisar os principais conceitos apresentados anteriormente); ii) não é uma proposta de redesenho, reengenharia ou afins (afinal, toda a série propõe uma nova maneira de PENSAR negócios); e iii) não apresenta um exemplo de utilização das sugestões apresentadas (não sei se sou ruim com exemplos porque não acredito neles ou se não acredito neles porque meus exemplos são ruins). Espero que esta ducha d’água fria não o faça abandonar a leitura por aqui.

Modelos

Não canso de repetir: “todos os modelos estão errados. Mas alguns são úteis…”¹. Um modelo é simplesmente a representação de algo real. Nenhum modelo consegue capturar todos os aspectos e detalhes daquilo que está representando. Por isso a quantidade de modelos, o número de pontos de vista capturados, é muito relevante quando falamos sobre arquitetura ou análise de negócios, projetos de sistemas de negócios etc.

Desde o início da série tento capturar as principais ideias na forma de um único modelo. Minha intenção é que este modelo sirva como uma boa revisão do que foi visto anteriormente. Portanto, sua primeira intenção é didática. Mas eu também queria uma ferramenta, algo que ilustrasse o que os participantes de meus treinamentos conheceram como fotografia 2km (de extensão) X 2cm (de profundidade).

De uns tempos para cá ficou bastante popular um modelo conhecido como canvas, proposto por Alexander Osterwalder em Business Model Generation (Inovação em Modelos de Negócios – Alta Books, 2011). É um modelo simples e bastante flexível – permite diversos tipos de uso. Mas, como todos os outros, está errado.

Levando-se em conta apenas o que foi apresentado nesta série, o canvas é bastante incompleto e carente de uma visão sistêmica.

Por isso comecei um novo desenho do zero. Não, não estou reinventando a roda. Como tentarei mostrar até o final deste artigo, o modelo que proponho aproveita ideias consagradas em outros modelos (isso quando não os copia descaradamente).

Antes preciso alertar que se trata de uma versão pré-alfa do modelo. Ele precisa passar alguns dias pendurado no varal, sofrendo com sol, chuva e vento, para aprender alguma coisa com a vida².

Tabuleiro

Tenho uma queda por nomes feios e este modelo herdará o apelido que eu havia cedido ao canvas. Gosto do nome tabuleiro porque ele nos faz lembrar de jogos.

Nosso jogo tem início quando um sistema-negócio é criado declarando sua função-missão. Neste momento fronteiras são delimitadas, criando um contexto (o ambiente transacional daquele negócio). Destaca-se de imediato o perfil dos clientes que o negócio pretende atender.

O fundo branco representa o negócio e seu interior. Ali dentro percebemos o uso de três cores. Cada uma representa uma parte fundamental do sistema-negócio: função (azul); estrutura (amarelo) e processos (cinza). Para aproveitar bem o que vem a seguir, é importante que você tenha lido os capítulos dedicados a cada uma delas: Função, Estrutura e Processos. E não se esqueça dos aspectos culturais.
Segue o jogo…

Definimos quais são nossas ofertas (produtos e serviços) e os canais que serão disponibilizados aos clientes. Inicialmente listamos os canais de venda, promoção e entrega. O mesmo espaço pode ser utilizado para canais de relacionamento (quando estes são específicos).

Vimos anteriormente que todas as ações que tocam direta ou indiretamente os clientes são chamadas de processos primários. É através deles que criamos, produzimos e comercializamos as ofertas. E o toque no ou do cliente se dá através dos canais estabelecidos. Daí a distribuição horizontal e consecutiva destes três elementos.

Aos recursos que suportam exclusivamente os processos primários chamamos, por falta de um termo mais adequado, estrutura I. Sua separação (inclusive física) da estrutura II que dá sustentação aos processos de apoio foi justificada em capítulos anteriores. Em resumo: a estrutura II representa “só despesa, só despesa”. Ela deve ser concebida e administrada de uma forma totalmente diferente. Em um cenário ideal ela seria totalmente terceirizada. Sugestão esta que nos apresenta novos atores no palco transacional (contexto), os parceiros.

Deve ter ficado fácil antecipar que as áreas cinza e amarela restantes estão reservadas para os processos de gestão e respectiva estrutura III. Menores em espaço e quantidade mas não menos relevantes, afinal é esta parte do sistema-negócio que trata do planejamento e controle de tudo o que foi visto até aqui. E mais…

É a parte gerencial que configura o lado explícito da cultura corporativa, representada no diagrama pelo quadro valores. O que foi feito das outras dimensões (riqueza, poder, conhecimento e beleza)? Falaremos sobre isso mais tarde.

Repare que agora o contexto foi completado com dois novos integrantes: governo, agências reguladoras, CVM etc. na parte superior e no lado esquerdo os concorrentes. Ali, para ficarem bem distantes dos clientes. A apresentação desses elementos agora sugere que a principal interface com eles está nos processos de gestão. Mas, claro, os processos de apoio e os primários também obedecem e respondem ao que vem da parte superior do tabuleiro (pagando impostos, por exemplo).

Apesar de incompleto, o tabuleiro já permite algumas brincadeiras (extensões do jogo básico). Repare nos post-its amarelos. Pois é, a análise SWOT acha seu espaço no tabuleiro.

Ameaças são externas e vêm dos concorrentes ou do governo (e suas malucas regulações). As fraquezas são internas e devem ser conhecidas pela gestão. Assim como as forças, que devem se concentrar na parte do tabuleiro onde um negócio faz diferença de fato. Por fim, as oportunidades, externas e relativamente próximas aos clientes.

Uma proposta de valor sincera e eficaz é baseada no conjunto de informações desenvolvido até aqui. Ela enaltece os pontos fortes, sejam eles relativos aos produtos e serviços, atendimento, uso eficiente da estrutura etc.

Resta apenas o preenchimento do grande quadro azul onde até agora temos apenas as ofertas e canais. Ele representa o que geralmente é chamado de visão. Começamos pelas receitas. Afinal, se no outro extremo do tabuleiro temos custos, é necessária uma contrapartida. Na sequência vemos os dois últimos compartimentos, mudanças e aprendizado & desenvolvimento. O leitor atento já deve ter antecipado a presença do modelo Balanced Scorecard (BSc) no tabuleiro. Sim, este modelo é um dos melhores já inventados para representar a visão de uma empresa.

Neste grande quadro temos o sistema-negócio projetando seu futuro. Considerando as oportunidades, ele define o que deve aprender & desenvolver para implantar as mudanças necessárias. Mudanças que serão refletidas nas ofertas e/ou canais, provocando os clientes para que eles comprem mais. Gerem mais receitas.

Múltiplas Dimensões, Múltiplos Usos

Preciso dizer que o modelo sugerido acima está errado? Esta é minha única certeza. Mas, claro, acredito em sua utilidade. E não apenas para fins didáticos.

O Guia #1 declarava: em um sistema, o todo é maior que a soma das partes. Tentei elaborar um modelo que permitisse a ilustração do todo no nível de detalhamento adequado. Uma grande diferença em relação ao canvas, por exemplo, é a preocupação com o contexto e com as interfaces internas e externas. Porque o Guia #6 diz que as fontes primárias de valor e complexidade de um sistema residem em suas interfaces. Na realidade, testei o modelo contra os 17 guias apresentados nesta série. É um teste que eu sugiro que você faça caso queira rever os conceitos apresentados e validar o uso do tabuleiro.

Antes de encerrar, preciso pagar uma dívida que deixei acima: a representação das dimensões culturais. Valores, aqueles que são explicitamente colocados por um sistema-negócio, mereceram sua caixinha. Mas, e sua porção implícita? E a resolução de conflitos? Onde entram? E onde se encaixa a beleza ou o poder? Convido-o para outro teste.

Cada dimensão merece um modelo próprio. Você pegaria um template do tabuleiro e registraria apenas aquilo que é relativo à geração e disseminação de uma dimensão específica. Conhecimento, por exemplo. Como os processos primários geram conhecimento? E como este conhecimento é disseminado?

Devo confessar que neste teste só travei na dimensão beleza. Sua geração e disseminação, apesar de bastante perceptíveis, são difíceis (se não impossíveis) de implementação neste ou em qualquer outro modelo conhecido. Além de subjetiva (e estar nos olhos de quem vê), a beleza é produto do todo. Ela pode ser sintetizada em um produto, com certeza. Mas não é disso que estamos falando aqui.

Se você fizer os testes ou quiser simplesmente conversar sobre as sugestões apresentadas nesta série não hesite em me contatar. Se não quiser utilizar a área de comentários, use seu meio preferido. Conto com nossos papos e desde já agradeço. Na próxima semana, como prometido, a bibliografia recomendada (e comentada). Inté!

 

Notas

  1. Depois de Jurgen Appelo, em Management 3.0
  2. O papo de pendurar ideias, no caso um livro, no varal para que elas “aprendam com a vida” vem do tortuoso e fantástico 2666, de Roberto Bolaño.
  3. Esta bateria de avaliação pública me dará (ou não) a confiança para liberar duas versões melhor desenhadas dos modelos, em formatos A3 e A4. Com elas pretendo reativar a área de downloads do {finito}.
  4. Um teste para analistas de negócios: se o tabuleiro for bem utilizado, apenas uma caixinha representará os requisitos mais importantes de um projeto. Qual?